«(…)
É, pois, natural que os lisboetas , partidários do Mestre e vencedores da revolução,
vissem um perigo no castelo, receassem que este pudesse no futuro voltar a
tomar partido ou atitude diferente ou mesmo oposta à da população da cidade.
Era preciso afastar esse perigo. Mas, para tal, não seria necessário derrubar
todo o castelo. Bastava derrubar as muralhas confinantes com o burgo, mantendo
as que davam para o exterior, as que se integravam no perímetro defensivo da
cidade. Deste modo, deixaria na verdade de existir o castelo, como era desejo e
interesse dos lisboetas, e continuavam a existir intactas as muralhas que
protegiam e defendiam Lisboa. Nem a cinta coroando o monte, nem a cerca velha
ou moura, nem a cerca fernandina seriam minimamente afectadas. As estruturas
defensivas, as muralhas que lhes tinham permitido resistir aos cercos postos
pelos castelhanos em 1373 e 1384 subsistiam. Isto também
interessava e muito aos lisboetas. Assim sendo, a situação tão inaceitável inferida
do trecho de Fernão Lopes deixava de existir. O castelo como castelo tinha desaparecido. A resposta à questão posta por
Augusto Vieira Silva está dada. O problema de procurar outro castelo, que
parecia praticamente impossível de solucionar, desaparece.
Esta
hipótese tem confirmação num passo da Crónica
de D. João I de Fernão Lopes que não foi referido por Augusto Vieira
Silva. Diz o cronista que foi emtregue
o castello ao Meestre trimta dias do mes de dezembro; e foi pousar em elle, e
mandouho devassar e tirar as portas da parte da çidade per comsselho de todo o
poboo. E bem claro: o Mestre de Aviz mandou per comsselho de todo o poboo que se tirassem as portas
confinantes com a cidade e não todas as portas do castelo. E aquelas
interessava que fossem retiradas para que a fortaleza passasse a estar
franqueada à população de Lisboa e não pudesse a sua guarnição hostilizá-la. As
outras, dando para o exterior, mantinham-se para segurança da cidade.
Considerando não ser suficiente terem sido eliminadas as portas, pois poderiam
as aberturas serem rapidamente entaipadas, podendo nelas, em bem pouco tempo,
erguerem-se barricadas, foi-se mais longe e destruíram-se as muralhas do
castelo confinantes com Lisboa. O castelo como castelo, apesar de só demolido
parcialmente, desaparecera. Podia-se dizer ter sido derrubado. Acontecimentos
posteriores mostram a razão que assistia aos lisboetas e ter sido a parte derrubada
reconstruída, voltando a existir o castelo de S. Jorge. E conhecido o papel decisivo
da capital portuguesa para a regência do reino ser entregue ao infante Pedro
durante a menoridade de Afonso V. Narrando os sucessos que antecederam essa regência,
escreveu Joaquim Veríssimo Serrão: a
solução jurídica acabou por se impor, partindo da Câmara de Lisboa que logo
obteve o apoio das principais cidades e vilas. Considerando um perigo para o
Reino a existência de dous rregedores e duas cabeças no governo, pois não era
conveniente a partilha de tamanha responsabilidade. Impunha-se encontrar hum
solido regedor baram dereito e per reall sangue lidimo português e o único
capaz de preencher o cargo era o duque de Coimbra. E nas Cortes de 1439,reunidas em Lisboa, diz o mesmo historiador,
a grande força proveio do Senado
olisiponense, representado pelos procuradores Pêro Serpa e João Lourenço
Farinha, que concertaram o plano antes da realização das Cortes, não havendo um
só procurador que não o apoiasse. Mas o castelo de Lisboa não alinha
nesta atitude, antes pelo contrário, mantém-se fiel à rainha dona Leonor. Eis
como Gaspar Dias Landim narra os acontecimentos relacionados com o castelo de
Lisboa: Era alcaide-mór da cidade de Lisboa,
n'este tempo, Affonso, Senhor de Cascaes, e tinha o castello pela Rainha cuja
parte seguia, e com elle estava dentro no castello seu filho Fernando, com
outros fidalgos seus parentes e amigos, que seguiam a mesma opinião, com a
gente de suas casas, os quaes vendo a cidade tão alvoroçada, temendo alguma
força do povo, se fizeram fortes repartindo suas estancias com suas rondas e
vigias, o que vendo os da cidade, com achaque de dizerem que de cima do muro
lhes diziam affrontas, confusamente ordenaram pôr cerco ao castello e
combatel-o, mas o Infante João por evitar os males que d'ahi se podiam seguir,
impediu por então o cerco, e tomou á sua conta socegar alteração tão perniciosa
como fôra da cidade com o castello, (...). Os da cidade tanto que souberam que Affonso não queria entregar o
castello, alvoraçados e amotinados com dizer que podia d'ahi vir algum grande
mal á cidade e ao reino, e o que é mais certo pelo grande odio que tinham á Rainha,
e induzidos pelo Infante João, pozeram logo cerco ao castello com tanta
vigilancia e cuidado, e o vallaram, e cercaram todo de vallas e alta cavas,
pondo suas estancias repartidas de gente armada por tal ordem, que de dia, nem
de noite podia entrar, nem sahir pessoa alguma, nem se lhe podia dar socorro de
mantimento, gente, ou munições, do que estava muito desprovido, o que tudo se
fazia por trama do capitão Alvaro Vaz que em similhantes materias era bem
experimentado; e como Affonso e seu filho entraram no Castello apressadamente,
se não poderam aperceber, e passados alguns dia de cerco, vendo-se os cercados
apertados, com pouca gente e menos ordem para se deffender, e sem esperança de
soccorro, entregaram o castello ao Infante João, havendo primeiro d'elle seguro
para todos os que estavam dentro, e tudo o que n'elle tinham, e deixando-o em poder
do Infante se foram para a Rainha. Rui de Pina, na sua Cronica de D. Afonso V, dá-nos uma narrativa destes
acontecimentos praticamente idêntica». In Fernando Castelo Branco, Um Enigma na
História do Castelo de Lisboa, a Joaquim Veríssimo Serrão os Amigos,
Fraternidade e Abnegação, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1999, ISBN
972-624-126-X.
Cortesia
da APdaHistória/JDACT