Uma introdução à sua leitura
«(…) Estes versos referentes a Isabel, a Católica, dizendo que, quando descera
pela primeira vez do céu à terra, o espírito do príncipe fora conduzido por sua
sogra, fornecem-nos a pista necessária para concluirmos com exactidão sobre a
data dramática do texto e provavelmente sobre a sua redacção.
NOTA: Álvaro de Portugal era o quarto filho
de Fernando e dona Joana de Castro, 2.os duques de Bragança. Teve um papel
importante nos reinados de Afonso V (a quem assistiu na guerra com Castela e
que acompanhou na viagem a França) e do monarca Manuel (intervindo, por
exemplo, nas negociações dos casamentos deste rei com dona Isabel e com dona Maria,
filhas dos Reis Católicos). Foi, por isso, agraciado com várias honras e
senhorios. O mesmo não acontecera, porém, no reinado de João II. Ao cair em
desgraça a Casa de Bragança, em 1483,
Álvaro foi aconselhado a abandonar o país, sendo-lhe confiscados todos os bens.
Encontrou refúgio, para si e para a sua família, da qual faziam parte seus dois
sobrinhos, Jaime e Dinis, filhos de Fernando II, 3.º duque de Bragança,
justiçado em Évora, na corte dos Reis Católicos, onde foi muito bem acolhido e
onde prestou bons serviços. Regressou a Portugal, com toda a sua família, ao
subir ao trono Manuel I. Morreu em Toledo, em 1504, durante uma viagem a Castela, provavelmente ao serviço do rei
Manuel I. Os historiadores não nos esclarecem sobre as causas da sua morte, mas
Cataldo, cometendo talvez uma indiscrição, diz-nos que ela ocorreu subitamente,
após uma lauta ceia, parecendo estabelecer, assim, uma relação de causa-efeito.
Isabel, a Católica, sogra de Afonso,
morrera em 1504. A primeira visita de ambos à terra, aos vivos, é
narrada por Cataldo, na sua Primeira Visão: Entretanto, vejo descer do alto do céu um pequeno carro, que se
distingue por uma rica pedra preciosa. Na parte da frente, estava sentada uma mulher,
na parte de trás, um jovem mais branco do que a prata ou a neve. Este não era
conduzido por cavalos, ou por movimento de rodas velozes; espontaneamente
dirigia o seu caminho pelo meio do ar. A mulher que ia sentada, na parte da
frente, era Isabel, outrora tua mãe. Quanto ao lindíssimo jovem, de face
brilhante, era Afonso, de quem Leonor fora mãe. (Amélia da Encarnação Dias,
Visões(livro I) de Cataldo Sículo, Universidade de Coimbra. 1969).
Com efeito, esta primeira visita do príncipe
à terra, acompanhado da sogra, é referida no Primeiro livro de Visões,
dirigido a dona Maria, filha da rainha mencionada e segunda mulher de Manuel I.
No final deste mesmo poema, podemos 1er: Passaram
dez anos e até então não fora aplacada esta mágoa, nem a dor se tornara mais
leve. Sem cessar, quase renovada, atormentava o seu interior e exterior.
Perdera o riso, perdera a alegria! Eis que o bom Deus acrescentou cinco aos dez
anos. Acalmou o luto e pôs-lhe um termo, isto é, observadas as virtudes da mãe,
privada de seu filho, fez aquilo que a nenhuma mãe fizera anteriormente.
Restitui o filho à vida e ao vigor próprio, semelhante ao que ele era outrora
em vida. Tendo o príncipe morrido em 1491,
visitara a mãe, pela primeira vez, quinze anos depois, isto é, em 1506. Afonso nascera a 18 de Maio
de 1475, ainda em vida de seu avô Afonso
V, que logo o reconheceu por herdeiro, no caso de morrer o ainda príncipe João.
Por ansiosamente esperado, o seu nascimento foi muito festejado: tratava-se do
primeiro filho do único filho do rei, que não esperava descendência de sua
filha dona Joana, atendendo à sua vocação religiosa. João II e dona Leonor não
tiveram, além deste, outro filho.
Desde os cinco anos, viveu longe de seus
pais, sob os cuidados de sua avó dona Beatriz, em situação de terçarias (isto
é, sob o cuidado de terceiros), em Moura, juntamente com sua prima Isabel,
aproximadamente da mesma idade, filha de Isabel, a Católica, com a qual, de acordo com o mesmo tratado que
estabelecera as terçarias, deveria casar aos sete anos, por palavras de futuro,
e aos catorze, por palavras de presente. O Tratado das Terçarias fora firmado
em 1479, na sequência das guerras
entre Portugal e Castela, ou melhor, entre o partido que pretendia, no trono de
Castela, dona Isabel (irmã de Henrique IV de Castela) e Fernando, e o que
preferia ver, aí, o nosso Afonso V que casara com a legítima herdeira, sua
sobrinha, dona Joana (a Beltraneja, entre os castelhanos,
que a davam como filha não de Henrique IV, mas de Béltran de la Cueva; a
Excelente
Senhora, entre os portugueses). Por esse tratado, estabeleciam-se,
entre outras, as seguintes condições:
- Dona Joana casaria com o príncipe Juan, seu primo, filho dos Reis Católicos, e, neste caso, ficaria também em terçarias com dona Beatriz, ou recolheria a um convento, como realmente aconteceu, professou no Convento de Santa Clara de Coimbra;
- Os filhos dos reis portugueses e dos Reis Católicos, Afonso e dona Isabel, ficariam aos cuidados de dona Beatriz e da Casa de Bragança, longe da influência e poder dos pais, até poderem casar.
Por desavenças e suspeitas de traição em
relação à Casa de Bragança, João II desenvolveu esforços, em 1483, para pôr fim às terçarias, pelas
quais nenhum dos régios pais podia visitar os filhos, e para trazer Afonso para
junto de si. Conseguiu-o nas seguintes condições: o príncipe casaria com a filha
segunda dos Reis Católicos, dona Joana;
mas, se ao cumprir o infante 14 anos, dona Isabel ainda estivesse por casar,
seria ela a noiva e futura esposa, como realmente veio a acontecer alguns anos
mais tarde. Durante este interregno, Afonso viveu e foi educado na corte. Para
orientação da sua educação terá contribuído também Cataldo (sendo
difícil de concluir se foi mesmo seu professor), que escreveu alguns trabalhos
destinados ao seu aperfeiçoamento e que aconselhou o rei sobre o assunto». In
Helena Costa Toipa, O Segundo Livro de Visões de Cataldo Sículo, Uma
introdução à sua leitura, Universidade Católica, Centro de Viseu, Revista
Humanitas, volume XLV, 1993, Universidade de Coimbra.
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