sábado, 31 de outubro de 2020

31 na Poesia. Crisfal. Cristóvão Falcão. «Ali sobre .a ribeira de mui alta penedia, donde a água d’alto caía, dizendo desta maneira estava a noite e o dia»

Cortesia de wikipedia e jdact

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VIII

Ali os dias passava

em mágoas, da alma saídas,

dizer a quem longe estava,

e chorava por perdidas

as horas que não chorava.

Em vale mui solitário e

sombrio e saudoso,

send’o monte temeroso,

pera o choro necessário,

pera a vida mui danoso,

 

IX

Dizer o que ele sentia,

em que queira, não me atrevo,

nem o chorar que fazia;

mas as palavras que escrevo

são as que ele dezia.

Ali sobre .a ribeira

de mui alta penedia,

donde a água d’alto caía,

dizendo desta maneira

estava a noite e o dia:

 

X

“Os tempos mudam ventura

bem o sei, pelo passar;

mas, por minha gram tristura,

nenhuns puderam mudar

a minha desaventura.

Não mudam tempos nem anos

ao triste a tristeza;

antes tenho por certeza

que o longo uso dos danos

se converte em natureza.

 

XI

Coitado de mim, cuitado,

pois meu mal não se amansa

com choro nem com cuidado!

Quem diz que o chorar descansa

é de ter pouco chorado;

que, quando as lágrimas são

por igual da causa delas,

virá descanso por elas;

mas como descansar hão,

pois que são mais as querelas?

 

XII

Com tudo, olhos de quem

não vive fazendo al,

chorai mais que os de ninguém,

que o que é para maior mal

tenho já para maior bem.

Lágrimas, manso e manso,

prossigam em seu ofício:

que não façam benefício:

não servindo de descanso,

servirão de sacrifício».

[…]

In Crisfal, Cristóvão Falcão, Coleção Textos Literários, Lisboa, 1962,

Cristóvão Falcão, Poesia, Alentejo, Cultura, JDACT,