«No Verão de 1810, Edward Noirot fugiu para a vila de Gretna Green, no sul da Escócia, famosa por permitir o casamento de jovens sem o consentimento dos pais, levando consigo Catherine DeLucey. O Noirot estava convencido de que sua companheira era uma legítima herdeira inglesa, cuja fortuna, como resultado desse acto impetuoso, acabaria caindo exclusivamente em suas mãos. Uma fuga eliminaria toda a burocracia cansativa, sob a forma de contratos de casamento elaborados por pais e advogados. Ao se evadir com uma jovem rica, de sangue nobre, Edward Noirot dava seguimento a uma antiga tradição familiar: sua mãe e avó eram inglesas.
Infelizmente, Noirot havia sido
ludibriado pela sua futura esposa, que, da maneira mais encantadora possível,
era tão dedicada a mentir e a enganar quanto ele. Sim, existiu uma fortuna. Pertencera à mãe da jovem, que John
DeLucey seduziu e levou para a Escócia, seguindo a sua venerável tradição
familiar. A essa altura, a suposta fortuna desaparecera e DeLucey tentava
melhorar sua situação financeira da mesma maneira que todas as mulheres de sua
família: casando-se com um ingénuo cavalheiro de sangue azul, com bolsos cheios
e um coração ardente. Mas ela também havia sido enganada, pois Edward Noirot não
detinha nenhuma fortuna. Ele era, de facto, descendente de um conde francês.
Mas a riqueza de seus antepassados se extinguira havia anos, durante a Revolução,
junto com as cabeças de vários membros de sua família. Graças a essa comédia de
erros, o braço mais infame de uma das mais nobres famílias da França uniu-se à
sua contraparte inglesa, mais conhecida, e odiada, nas Ilhas Britânicas como os
Terríveis DeLuceys. O leitor deve estar imaginando o desgosto do casal quando a
verdade veio à tona, logo após a cerimónia do casamento. Sem dúvida, imagina
que houve gritos, berros e recriminações. Engana-se. Sendo tão patifes, e
realmente apaixonados, eles riram até não poder mais. Em seguida, juntaram suas
forças. E decidiram seduzir e enganar todo e qualquer incauto que cruzasse seu
caminho. Foi um percurso longo e cheio de curvas que os levou de um canto a
outro da Europa, mudando-se sempre que um desses locais se tornava desconfortável
para o casal. Nessas idas e vindas, Catherine e Edward Noirot geraram três
filhas.
Londres,
Março de 1835
Marcelline, Sophia e Leonie
Noirot, irmãs e proprietárias da Maison Noirot, na rua Fleet, em West Chancery
Lane, estavam presentes quando lady Renfrew, esposa de sir Joseph Renfrew, lançou
a bomba. Marcelline, com seus cabelos negros, moldava um laço em forma de
borboleta, com o objectivo de seduzir a senhora para que comprasse a sua mais
recente criação. A loura Sophia recolocava em ordem uma gaveta, que havia sido
desarrumada mais cedo para uma das suas clientes mais exigentes. Leonie, a
ruiva, começava a ajustar a bainha da roupa de Sharp, amiga íntima de lady
Renfrew. Embora fosse apenas um mexerico que surgiu casualmente na conversa, Sharp
deu um grito estridente, quase como se uma bomba realmente tivesse explodido, tropeçou e pisou na mão de
Leonie. Leonie não rogou pragas em voz alta, mas Marcelline viu os lábios da
irmã formarem uma palavra que ela duvidava que suas clientes estivessem
acostumadas a ouvir. Sem demonstrar nenhuma emoção pela dor causada à
insignificante costureira, Sharp perguntou: O duque de Clevedon está voltando? Sim, respondeu lady
Renfrew, demonstrando uma boa dose de presunção. Soube de fontes seguras. O que
aconteceu? Lorde Longmore ameaçou-lhe dar um tiro? Qualquer modista que tivesse
a ambição de vestir as mulheres da classe alta mantinha-se sempre actualizada
sobre os últimos acontecimentos. Assim sendo, Marcelline e as irmãs já estavam
familiarizadas com todos os detalhes daquela história. Sabiam que Gervaise
Angier, o sétimo duque de Clevedon, estivera sob a guarda do marquês de
Warford, o pai do conde de Longmore. Estavam cientes de que Longmore e Clevedon
eram grandes amigos e que Clevedon e lady Clara Fairfax, a mais velha entre as
três irmãs de Longmore, estavam prometidos um para o outro. Clevedon era
apaixonado por ela desde a infância e jamais demonstrara nenhuma inclinação
para fazer a corte a quem quer que fosse, embora por certo mantivesse vários relacionamentos
de outra natureza, em especial durante os três anos que passara no exterior.
Apesar de o casal jamais ter
noivado oficialmente, o facto era considerado mera formalidade. Todos sabiam que
o duque se casaria com ela tão logo retornasse com Longmore de sua tradicional
viagem pela Europa. Toda a sociedade ficou chocada quando, cerca de um ano
antes, Longmore voltou e Clevedon continuou levando uma vida de devassidão. Aparentemente
alguém da família perdera a paciência, pois, de acordo com os boatos, lorde
Longmore viajara para Paris havia duas semanas e confrontara o amigo sobre as tão
aguardadas núpcias. Acho que ele ameaçou chicoteá-lo, mas não há como saber,
comentou lady Renfrew. Tudo o que me disseram foi que lorde Longmore foi a
Paris e fez uma ameaça, o que resultou numa promessa do amigo de que voltaria a
Londres antes do aniversário do rei. Embora Sua Majestade tivesse nascido em Agosto,
seu aniversário seria comemorado no dia 28 de Maio daquele ano». In Loretta
Chase, Sedução da Seda, 2011, Edições Chá das Cinco, 2016, ISBN 978-989-710-184-7.
Cortesia de ECdasCinco/JDACT
JDACT, Loretta Chase, Literatura,