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«Ao terminar a terceira década do século XVI decidiu el-rei João III tomar medidas adequadas para enfrentar a crescente actividade de espanhóis e franceses no Atlântico Sul. Até à viagem de Solis ao rio da Prata, ern 1515, pode dizer-se que os espanhóis não penetraram no Atlântico Sul, já que se limitaram a raras viagens nas proximidades do equador, pela «costa leste oeste» do continente sul-americano; é sintomático que em Espanha se desconhecesse então a localização do cabo de Santo Agostinho. Durante este período, mercê de uma hábil falsificação cartográfica, deslocando a costa do Brasil para leste e apresentando-a com uma orientação geral norte-sul, sem indicar a inflexão para oeste a partir do cabo Frio, conseguiram os portugueses ocultar dos espanhóis que no Atlântico Sul, em latitudes mais elevadas, havia terras que se situavam na zona que o Tratado de Tordesilhas atribuíra a Castela.
Da expedição portuguesa de 1514 ao da Prata chegaram a Espanha importantes notícias, inculcando nomeadamente a ideia da possibilidade de por aí se passar ao mar do Sul, e a expedição confiada ao piloto português João Dias Solis obedecia a tal propósito. Poucos anos depois, Fernão de Magalhães exploraria as terras para o sul do rio da Prata e descobriria a almejada passagem para o Extremo Oriente. A Espanha, através das duas expedições chefiadas por portugueses, tinha finalmente a noção das terras que lhe pertenciam no Atlântico Sul e encontrava o tão desejado estreito paro as terras da especiaria. O Atlântico Sul, de mar exclusivamente lusitano, passava a mar luso-castelhano.
Alguns náufragos da expedição de Solis ficaram no sul do Brasil, e entre eles se contavam os portugueses Aleixo Garcia e Henrique Montes. Já então existiam alguns pequenos núcleos de portugueses vivendo no litoral e comunicando uns com os outros e com os náufragos castelhanos, e entre eles se espalhou a ideia da existência de ouro e prata para o interior do rio da Prata. Por volta de 1522, Aleixo Garcia, partindo do litoral à frente de numeroso bando de ameríndios, atingiu os Andes e aí recolheu objectos feitos de metais preciosos, notícia que não tardou em divulgar-se entre os europeus do litoral, o que teve como consequência que, largado de Espanha em 1526 com destino ao Extremo Oriente, Sebastião Caboto, incitado e ajudado por alguns portugueses, entre eles Henrique Montes, resolvesse antes subir o Prata à procura das terras do ouro e da prata. Também desde cedo os portugueses compreenderam que era relativamente fácil, a partir do litoral do sul do Brasil, atingir o sistema hidrográfico do Paraná e do Paraguai, o que depressa soube João III.
Cortesia de corujasapienswordpress
O ouro e a prata do interior, nesta terceira década do século XVI, eram, pois, poderosos aliciantes para os portugueses e espanhóis e para os respectivos monarcas, e o choque de interesses era inevitável, agravada pela dificuldade em definir no terreno a linha divisória estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas. A este quadro de rivalidade, um outro se vinha juntar, impondo a João III enérgicas e urgentes medidas. Tratava-se do crescente intromissão francesa no Atlântico Sul. Goneville, em 1504, a caminho do Índico e guiado aliás por dois pilotos portugueses, escalara o Brasil.
E depressa os franceses se deram a ir comerciar na nova terra, com o intento sobretudo de carregar pau-brasíl. As «capitanias da terra», com a constituição de pequenos núcleos de povoamento, e as «capitanias do mar», com a permanência de pequenas armadas de fiscalização da costa por períodos de 2 ou 3 anos, foram medidas de Manuel I motivadas já, em parte, pela ameaça francesa. Ameaça tanto maior quanto uma fixação dos franceses no Brasil constituiria grave perigo para a segurança da «carreira da Índia» e para o monopólio no Índico, pois as naus, antes de dobrarem o cabo de Boa Esperança, eram obrigadas a passar perto da costa brasileira.
A ameaça francesa, aliás, não se verificava apenas em relação ao Brasil, já que, a caminho deste, uma boa parte das naus gaulesas se detinha no Costa da Malagueta, a fim de comerciar ou de roubar os navios portugueses lá encontrados. É neste duplo quadro de rivalidade, com castelhanos e franceses, que se situa a expedição de Martim Afonso de Sousa, partida de Lisboa para o Brasil em 3 de Dezembro de 1530. Raramente, na história marítima e ultramarina de Portugal, terão sido dadas a uma expedição objectivos tão variados e tão importantes como os que recebeu aquele capitão-mor.
Cortesia de operaprimaart
Embora não se conheça o regimento da armada, pode concluir-se de outros documentos que João III encarregou Martim Afonso de Sousa das seguintes missões:
- a) explorar todo o litoral brasileiro e alguns rios, desde o Amazonas ao rio da Prata, assentando padrões que marcassem a posse dos estuários de ambos;
- b) expulsar os franceses de uma «costa do pau-brasil», que então se localizava sobretudo entre os rios Paraíba e S. Francisco;
- c) firmar a soberania sobre uma «costa do ouro e da prata», entre S. Vicente e o rio da Prata;
- d) fundar povoações que permitissem o acesso fácil ao rio Paraguai e às minas de ouro do interior;
- e) de uma maneira geral, promover e apoiar a colonização portuguesa.
Compunha-se a armada de 5 navios: duas naus, a capitânia, de nome desconhecido e inicialmente comandada por Pêro Lopes de Sousa, e a «São Miguel», do comando de Heitor de Sousa; o galeão «São Vicente», do comando de Pêro Lobo; e duas caravelas, a «Princesa» e a «Rosa», comandadas, respectivamente, por Baltasar Gonçalves e Diogo Leite. Já no Brasil, ser-lhe-iam agregadas uma nau capturada aos franceses (baptizada então com o nome «Nossa Senhora das Candeias» e cujo comando foi dado a Pêro Lopes de Sousa) e uma caravela que ia a caminho de Sofala («Santa Maria do Cabo»).
Realizaram Martim Afonso de Sousa e os seus companheiros, entre estes se destacando seu irmão Pêro Lopes, as missões que lhes haviam sido confiadas. Ao chegarem ao Brasil, em fins de Janeiro de 1531 e próximo do cabo de Santo Agostinho, tomaram três francesas, e em Fevereiro as caravelas francesas «Rosa» e «Princesa» partiam para a exploração da costa norte, até ao Amazonas». In Diário da Navegação de Pêro Lopes de Sousa (1530-1532), Leitura de Jorge Morais-Barbosa, Lisboa, Editora Gráfica Portuguesa, 1958.
Cortesia da EG Portuguesa/JDACT