A construção
Cortesia de editorialpresenca
Das Origens às Primeiras Perseguições
«Instalada em finais de 1741, a loja de Coustos trabalhou pouco mais de um ano, até começos de 1743, com grande dinamismo, resultado da energia e dos conhecimentos do seu fundador. Reuniu quase uma trintena de pessoas, das quais cerca de 75% eram franceses, sendo os outros ingleses, um italiano, um holandês e, porventura, um ou dois portugueses. Começando com pouca gente, conseguiu iniciar uns quinze «irmãos» e aumentar de grau alguns outros, que haviam sido iniciados fora de Portugal. Quanto a profissões, a loja englobava uma esmagadora maioria de homens de negócio, onde pontificavam os ourives e os lapidários e contratadores de diamantes, tendo ainda dois alfaiates, um banqueiro, um marítimo e quatro sem profissão conhecida. Em religião, predominavam os católicos, mas havia igualmente alguns protestantes, entre eles o próprio Venerável. As sessões tinham lugar, alternadamente, nas casas dos «irmãos, preferindo as casas de pasto, de que havia umas quatro ou cinco disponíveis. O ritual fazia-se em francês.
A loja de Coustos não teve tempo, sequer, para tentar uma regularização. Mas é provável que o seu fundador, bom conhecedor das leis maçónicas, a tivesse em mente junto da Grande Loja de Londres, onde não lhe faltariam contactos.
O ambiente em Lisboa não estava favorável à disseminação da Maçonaria, a bula de 1738 era demasiado recente para se ter esquecido. A Inquisição (maldita) mantinha-se alerta, sendo provável que circulassem, nos meios eclesiásticos, as notícias das perseguições que, no estrangeiro, se iam fazendo a coberto da decisão papal. Em 1741, o padre agostinho João Evangelista, que publicara sob o pseudónimo anagramático de Gelásio António de Sá, dava à estampa, em Lisboa, a tradução de uma obra francesa onde a Maçonaria aparecia muito maltratada. Definiam-na como heresia dos tempos modernos, acusando-a de defender proposições como a de que todo o pecado cometido entre quatro paredes era venial, a de que a fornicação simples não era pecado ou a de que todas as acções do homem deviam ser conduzidas com vista ao próprio homem ou à Humanidade. Durante os anos seguintes, a tentativa de identificar Maçonaria como heresia continuou. A Inquisição (maldita) não teve dúvidas em aceirar as proposições heréticas como características da «seita». O padre José Marta Henriques glosou o tema e os pontos «heréticos» difundidos por João Evangelista, dando à estampa nova obra que pouco acrescentava à anterior.
A generosidade régia socorrendo Lisboa
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Assim, não tardou que a Inquisição (maldita) se apercebesse do que se estava passando. Ainda em 1742, nos começos de Outubro, recebeu a primeira denúncia, de um tal Henrique M. de Moura, procurador de negócios e causas. Em Fevereiro de 1743,a Mesa do Santo Ofício chamou-o de novo para segundo interrogatório, mandando depois ir à sua presença diversas pessoas que poderiam confirmar a denúncia inicial. Nos começos de Março, de posse já de elementos bastantes, o Santo Ofício ordenou a prisão dos membros da loja Jean Coustos, Alexandre Mouton e Jean-Thomas Bruslé. Seguiu-se-lhes, em Abril, Jean-Baptiste Richard. No entretanto, um quinto «irmão, Lambert Boulanger, correra a denunciar as suas culpas.
Os processos contra os quatro presos arrastaram-se durante cerca de um ano. Os réus foram interrogados e torturados, saindo por fim no auto-de-fé público de domingo, 21 de Junho de 1744, com as seguintes penas: quatro anos de galés para Coustos; e cinco anos de degredo para fora do patriarcado de Lisboa, além de penitências espirituais, para Mouton e Bruslé. Richard, que se quis converter ao catolicismo, ficou, ‘ipso facto’, isento de mais penas. Veio a sair no auto-de-fé de 1 de Julho. Boulanger e os demais «irmãos» foram deixados em paz.
Coustos não cumpriu a pena durante muito tempo. Logo a seguir ao auto-de-fé, beneficiou aa influência da Maçonaria inglesa, que fez as pressões necessárias sobre Lord Charles Compton, representante diplomático em Lisboa, para tirar da prisão um súbdito de sua Majestade Britânica. Em Setembro de 1744, Compton avistou-se com o cardeal da Mota, todo poderoso valido do rei, e com o Inquisidor-Mor, cardeal Nuno da cunha, obtendo a libertação em finais de Outubro seguinte. Em Novembro, Coustos, acompanhado por Mouton, abandonava Portugal.
De regresso à Pátria, escreveu um livro sobre as suas aventuras nos cárceres do Santo Ofício que constitui ainda hoje testemunho importante para a história da Inquisição setecentista portuguesa.
O Pombalismo
A intervenção violenta do poder inquisitorial travou, durante algum tempo, a expansão da Maçonaria em terra portuguesa. Compreende-se. As lojas maçónicas não eram locais de conspiração nem de actividade política ou religiosa subversiva. Os maçons não tinham ainda consciência do seu espírito de vanguarda nem do papel que podiam desempenhar como mensageiros das Luzes do século.
O marquês de Pombal
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Tudo o que pretendiam era reunir-se ritualmente, conviver um pedaço, comer, beber e cantar na companhia dos seus «irmãos», ajudar-se mutuamente e sentir-se, por isso mesmo, seguros e bem dispostos. Não estavam interessados em ser inimigos nem vítimas fosse de quem fosse, muito menos da temível instituição.
Para mais, a Igreja voltara à carga. O papa Benedito XIV reeditara, em 1751, a bula do seu antecessor. Num novo texto, denominado ‘Providas Romanorum’, o Sumo Pontífice confirmava e transcrevia o documento de Clemente XII, justificando a condenação e a proibição das assembleias maçónicas por motivos muito semelhantes: associavam-se nelas homens de todas as religiões, «do que assaz se manifesta quão grande perdição daí possa resultar à pureza da religião católica»; existia na ordem Maçónica, sob forma de juramento, o vínculo apertado e impenetrável do segredo; associações como a da Maçonaria eram contrárias às leis civis e canónicas e tidas em má conta por varões prudentes e honrados. Mesmo que a nova bula não constituísse lei do Reino por não ter obtido o Beneplácito, era, ainda assim, mais um argumento para desencorajar a admissão de católicos fervorosos na sociedade maçónica e para incitar o Santo Ofício à vigilância e à perseguição.
O reverso da medalha neste ambiente pouco favorável à expansão da Maçonaria em Portugal estava na situação política do País. Com a morte de João V (30 de Julho de 1750) e a subida ao trono de José I, o poder caiu gradualmente nas mãos de Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro conde de Oeiras e marquês de Pombal.
Ora o novo ministro (nunca permitiu que a Inquisição perseguisse os Framaçons, defendendo assim os direitos do seu Amo contra a usurpação dos «eclesiásticos», como foi reconhecido na época. Os motivos podem ter sido vários.
Um foi, com certeza, o aduzido na frase transcrita, isto é, a proibição da ingerência de qualquer outro poder, que não o do Estado, em questões que envolviam a liberdade e a segurança dos súbditos desse mesmo Estado. Outro terá sido o melhor conhecimento que Carvalho e Melo e os seus colaboradores tinham da Maçonaria: havendo residido em diversos países europeus, tanto o futuro marquês de Pombal como Martinho de Melo e Castro, seu colega no ministério, e como Luís da Cunha, seu protector ainda em tempo de João V, sabiam bem que os trabalhos maçónicos em nada perturbavam a autoridade do Estado, podendo até cimentá-la, mercê do juramento de fidelidade ao Príncipe reinante.
Um terceiro motivo pode ter sido a filiação do próprio Carvalho e Melo na Ordem Maçónica. A afirmação foi feita, ainda durante a vida do primeiro marquês de Pombal, por inimigos seus e, quer em sua vida quer poucas décadas após a sua morte, por maçons também. A tradição, essa, iria manter-se até aos nossos dias. Carvalho e Melo pode ter sido iniciado maçon em Londres, entre 1738 e 1744 ou, com menos probabilidade, em Viena, entre 1745 e 1749, tal qual como foi aceite sócio da prestigiada Royal Society». In A. H. Oliveira Marques, História da Maçonaria em Portugal, das Origens ao Triunfo, Editorial Presença, 1990.
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