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Da difusão da bibliografia de inspiração judaica (e cristã) neste período
«O terceiro componente a que atrás fazíamos referência é o ‘aristocrata em viagem’. Ele faz chegar ao interior do país, sobretudo junto da aristocracia «reinante», descentralizadamente, nos contextos de ruralidade da época, durante as suas incursões de tipo comercial ou de mero carácter recreativo (designadamente venatório), o prolongamento da sua cultura, muitas vezes obras de imitação dos clássicos, designadamente Marco Túlio Cícero ou Séneca. Tais obras normalizam, por vezes, a conduta social do nobre, disciplinam a sua actividade em termos de vida social, num plano de exercício em comunidade, os jogos, os torneiros, partidas recreativas, ou em privado, designadamente no que respeita à educação dos filhos nobres, à maneira de se comportar à mesa, de negociar um casamento, de falar ao coração de uma donzela, etc.
Desse tipo de actividades da aristocracia em ‘viagem’ nos séculos XV e XVI e chegaram até aos nossos dias vastos e curiosos trabalhos. Um deles, já da época do Renascimento, é o relato dos embaixadores Girolamo Lipomani e Tron, durante a sua viagem por terras de Portugal, em que nos dão conhecimento, nomeadamente, da própria expansão do «comércio» livreiro neste período.
Afirma-se, a dado passo, desse diário, no que respeita à vida cultural lisboeta, por onde tais embaixadores passaram nesse ano de 1581 antes de se dirigirem a Tomar para ai felicitaram Filipe II pela anexação de Portugal, que já então na capital existiam diversas livrarias:
- «(...) Na (mesma) Rua nova há muitas lojas de livros, com infinito numero d'elles em portuguez, castelhano, latim, e italiano. Todos são mui caros; e por isso os estudantes, por serem pobres, costumam mais alugal-os (como ahi dizem) a tanto por dia, do que compral-os. Não deve esquecer, aqui que na praça chamada do Pelourinho-vélho estão de continuo ussentados muitos homens com mesas ante si, os quaes se podem chamar notarios ou copistas sem caracter de fficiaes publicos, e que n'este exercicio ganham a sua subsistência. Sabida que é a idéa de qualquer freguez que se chega a elles, immediatamente redigem o que se pretende, de modo que ora compoem cartas d'amores, de que se faz grande gasto, ora elogios, orações, versos, sermões, epicedios, reqaerimentos, em outro qualquer papel, em estylo chão ou pomposo...».
A primeira tradução deste excerto do diário ficou a dever-se a Alexandre Herculano, respeitando-se, aqui, a sua própria ortografia.
Mas se o referido diário alude, aqui, a uma produção bibliográfica de rua, dita ‘livresca’, sem requerer, portanto, uma vasta erudição, nesses alvores da imprensa em Portugal a produção bibliográfica, em moldes de erudição, essa verificava-se sobretudo a dois níveis:
- - ao nível judaico, na respectiva sinagoga, em que o «rabi» era o principal ‘zelador’ da tradição, em documentos escritos, da Lei do “Torah”;
- - ao nível cristão, nos conventos (e igrejas), em que o atelier de copista era o local privilegiado (sagrado?) de tradução dos clássicos grego-latinos, sobretudo em obras de carácter hagiográfico que tinham por principal motivo de inspiração a exegese bíblica.
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É conotado com o primeiro desses dois campos que se situa o labor, nesses finais do século XV, das tipografias hebraicas situadas em Faro, Lisboa e Leiria, desde 1487. Essa gama de edições em caracteres hebraicos não se prolongaria, afinal, senão por mais de uma década e meia em virtude de em 1497, com o decreto de expulsão dos judeus por Manuel I, estes se veriam forçados a «escolher» o caminho do exílio. Tal acarretou, indiscutivelmente, a cessação de actividade dos impressores judaicos portugueses, numa altura em que o campo editorial estava sobretudo a cargo de estrangeiros.
Os primeiros incunábulos em Portugal no século XV
Para um estudo sistemático da produção editorial e, consequentemente, do exercício censório neste período não podíamos, assim, deixar de tomar por base o funcionamento das principais tipografias que laboravam, imprimindo primeiro em hebraico, e depois em latim, castelhano e português, no último quartel do século XV entre nós. Só que a história deste tipo de produção continua, apesar de tudo, a constituir uma grande nebulosa na História da Cultura Portuguesa nos alvores do Renascimento, em virtude dos dados que ainda escasseiam a tal respeito.
Raul Proença e António Anselmo referem (em 1920) 24 publicações certas e l0 susceptíveis de dúvida. Na «Bibliografia Geral Portuguesa», por sua vez, são apresentadas (em 1941), para esse período, 38 edições (figurando as duvidosas nas páginas introdutórias).
Já, por sua vez, Jorge Peixoto apresenta-nos (em 1962) 27 incunábulos como estando demonstrada a sua autenticidade, e mostrando 11 como «duvidosos». Artur Anselmo (em 1981) (4) tem como certos 30 incunábulos impressos neste período no nosso país. Elimina, assim, todos aqueles cuja existência não considera suficientemente documentada». In Manuel Cadafaz Matos, Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI, Publicação do Arquivo da Universidade de Coimbra 1986.
Continua
Cortesia do Arquivo da Universidade de Coimbra/JDACT