Cortesia de europaamerica
O Cataio
«Oiçamo-lo também nós, com o pensamento posto no Portugal de Quatrocentos:
- 'Por toda a província de Cathay som achadas hüas pedras negras que sacam ou talham dos montes e lançadas no foguo ardem assi como lenha e tem fogo per grande tempo despois que som açesas que certamente se as açenderem a tarde ellas guardam ho fogo toda a noite nom embarguando que em aquella prouincia ouuesse muita lenha empero daquellas pedras husam pela mayor parte porque a lenha he mais cara'.
Contava da sábia administração de Kubilai, dos seus plantios de arvoredo por todo o Cataio, da caça que lhe era devida em certo período do ano, mas demorava-se, extasiado e saudoso, descrevendo as belezas sem par da cidade e palácio de Khanbalik:
- «A cidade de Cambalu esta sobre huü grande ryo em a prouincia de Cathayo a qual outro tempo foi nobre e real. Cambulu em nossa lingoa quer dizer a cidade do senhor…»
Mas se a capital do grande Khan era soberba e imensa, azafamada e colorida, onde se juntavam mercadores dos vários cantos do império e a faustosa corte do mongol, o paço senhorial, onde residia Kubilai, assombrara aquele veneziano que vinha da terra esplendorosa dos Doges. Nunca ele vira palácio de tão grandes dimensões. Era apenas de um piso mas elevado sobre jardins que o rodeavam e circundado de terraços revestidos de mármore e amparados por soberba balaustrada.
Davam-lhe ingresso duas majestosas escadarias de cada lado e penetrava-se logo em salões recamados de oiro e prata, decorados com pinturas de donas e cavaleiros, de dragões, de animais e pássaros da heráldica e mitologia. Cobriam-no telhados coloridos de vermelhão, verde, azul, amarelo. Era toda a riqueza policrómica do Oriente a atrair, a dominar, a alma simples daquele cristão de Veneza.
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Kubilai, o grande Khan, aparecera-lhe, como numa visão, trajando sedas recamadas de pérolas e pedras preciosas, rodeado dos seus doze mil barões e cavaleiros, revestidos à mesma moda e na mesma riqueza. E Polo, o joalheiro, logo ali avaliara que alguns daqueles grandes senhores traziam sobre si jóias que valeriam mais de 10 000 besantes de oiro.
Eis o Cataio que o Veneziano mostrava à faminta “arraia miúda” do Ocidente empobrecido, à alma de Cruzada da Cristandade. Lido e relido o livro famoso; ouvido, repetido e exagerado no palrar à lareira dos casais miseráveis e dos castelos senhoriais, foi-se gravando na memória, foi acendendo ambições.
Cristóvão Colombo anotava-o na sua edição latina; e ao Infante de Sagres não lhe teriam tremido as suas mãos fortes quando lera o manuscrito que seu irmão das “Sete Partidas” trouxera para Portugal?
Seria altamente interessante provar à luz de documentos, se documentos houvesse, o grau de influência que o livro de Marco Polo exercera nas “Descobertas Portuguesas”. Mas não duvidemos que a teve, mesmo sem fontes coevas a corroborarem o asserto. São as próprias anotações de Colombo a mostrá-lo à evidência, se dela carecêssemos. Como não havia de influir esse foco luminoso em almas já preparadas, pelo misticismo, para grandes empresas!? Ardia-se em ansiedade por expandir a Fé, por subjugar o infiel ameaçador e feroz, por conhecer o desconhecido. Havia imperiosa necessidade material de cortar o anel de ferro com que o Ocidente ia sendo asfixiado.
Introdução ao Cristianismo no Cataio
As “viagens de Polo” tiveram da parte do Ocidente uma pronta resposta. Se a «estrada de seda» fora de há muito cortada, abria-se agora a «estrada missionária». O Veneziano tinha sido o seu grande construtor. Numa Europa gasta e empobrecida, a primeira reacção e aquela que ficaria a dominar o empreendimento foi de natureza espiritual. Do lado dos nestorianos orientais, os adoradores da Cruz, houve mais talvez que curiosidade, interesse em conhecer o chefe daqueles outros cristãos, que habitava Roma e a quem chamavam o papa.
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Assim veio, em 1287, Bar-soma aos centros do catolicismo. Trazia como missão conseguir uma aliança contra os mamelucos do Egipto. Visitou Constantinopla e chegou a Roma quando o Consistório estava reunido para eleger novo pontífice, a sede de Pedro vagara pela morte de Honório IV. Esteve em Paris, onde admirou a sua velha universidade. Foi recebido pelo rei Eduardo I na Gasconha. Voltou a Roma, onde comungou das mãos do novo papa Nicolau IV e celebrou ao rito nestoriano.
Poucos anos volvidos, em 1291, o pontífice enviava às terras já famosas do Cataio, em missão puramente missionária, Fr. João de Montecorvino. Corneçava-se a escrever a verdadeira ‘Introdução’ ao Cristianismo na China, que teria como cinzelador incomparável do seu primeiro e mais brilhante capítulo um pequeno país do extremo ocidental da Èuropa, chamado Portugal, que por essa altura, completada a unidade territorial, estava moldando a sua alma para o magno empreendimento da História do Mundo.
Fr. João de Montecorvino, segundo se presume, nascera em Montecorvino Rovella, perto de Salerno, em 1247, precisamente no ano em que Carpine chegava à Europa da sua viagem pelo Oriente. Não é estranha a coincidência de ver o facho de luz cristã passar assim de mão em mão entre aqueles franciscanos? Montecorvino era também um menorista e já tinha estado na Pérsia e na Arménia quando recebeu tão alto mandato do sumo pontífice, cristianizar o Cataio. Em 1249, depois duma viagem longa e trabalhosa, chegava a Khanbalik, «a cidade do rei», que tanto impressionara Marco Polo». In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.
Cortesia de Gráfica Imperial/JDACT