Cortesia de purl
«Após a ascensão do rei Manuel ao poder, a actividade cultural do país fez vastos progressos nas artes e nas ciências, culminando mais tarde em 1572 com a grande epopeia de Luís de Camões, “Os Lusíadas”.
Durante o reinado de Manuel I, Góis assistiu a acontecimentos importantes. O jovem ouvia narrativas de marinheiros e soldados que tinham penetrado nas profundezas de África, contos sobre as riquezas e as maravilhas da história e da cultura da Índia, histórias das antigas civilizações da China e do Japão, relatos dos costumes primitivos de tribos recentemente descobertas no Brasil. O palácio de Manuel I resplandecia com sedas, brocados, tapeçarias do gosto mais requintado, e com pedras preciosas; e essa exibição de riqueza era um reflexo da fama do rei, que se estendia por três continentes.
Lisboa, cujos habitantes se ufanavam da sua cidade construída sobre sete colinas como Roma Eterna, oferecia um panorama grandioso sobre o vasto oceano. Antes dos “Descobrimentos” era uma cidade sonolenta, mas agora que os portugueses tinham penetrado no segredo do além-mar, Lisboa, como o palácio real, era o espelho dum mundo em permanente expansão. Nas ruas da cidade apinhavam-se figuras coloridas vindas de terras distantes; uma nova população de mercadores representava quase todos os países da Europa. O porto movimentado estava cheio de navios que iam de partida, ou de caravelas que regressavam de expedições longínquas.
Numa idade facilmente impressionável, Damião de Góis integrou-se nessa cidade turbulenta, tão vitalizada pelos acontecimentos históricos. Dotado de aguda curiosidade, estava extraordinariamente atento aos acontecimentos em seu redor. Não se satisfazendo com o papel de observador passivo, Damião de Góis aproveitava todas as oportunidades para conhecer visitantes do estrangeiro e para se informar sobre terras e gentes que nunca vira.
Cortesia de wikipedia
Desde os primeiros tempos passados no palácio até aos anos de maturidade Góis sentiu-se particularmente estimulado pela conquista da Índia e pelos estranhos costumes do seu povo. Os elefantes mandados ao rei Manuel por príncipes indianos como marca de respeito deixaram nele uma funda impressão. O alvoroço com que esses animais foram recebidos deve ter sido causado em parte pela fama dos ‘elefantes de guerra’ que se tinha espalhado pelo mundo depois da entrada de Alexandre Magno na Índia. Nos escritos de maturidade Góis relembrava muitas vezes a sensação causada por um desfile desses elefantes pelas ruas de Lisboa, e relatou uma vez um episódio destinado a mostrar a capacidade de compreensão do elefante, bem como a sua habilidade para comunicar com os homens. O caso passou-se no porto de Lisboa, onde um barco estava à espera de um elefante para o transportar para Roma como presente destinado ao Papa. Dizia-se que o animal, apesar de muito instigado, se recusava a entrar no barco, mas que, por fim, depois de o rei lhe ter assegurado que a sua transferência para outra personagem 'elevada’ era da vontade do primitivo dono indiano, o elefante obedeceu ‘com lágrimas nos olhos’. Não se devem pôr de lado como ingénuas ou símplices considerações corno estas, relatadas por Góis em reacção a um tal espectáculo; o interesse que tinha por uma cena nova e por um comportamento invulgar era partilhado por muitos.
Mas Góis e grande número dos seus contemporâneos também viam nesses animais os mensageiros de um outro continente; os elefantes inspiravam-lhes orgulho no poder do homem sobre as forças selvagens da natureza. Assim como os astronautas da era espacial são considerados heróis nacionais, também os aventureiros portugueses do além-mar que tinham descoberto as terras donde vinham os maravilhosos elefantes devem ter suscitado em Góis e nos seus compatriotas uma grande impressão de orgulho.
Cortesia de wikipedia
Embora a Índia tivesse atraído sobremaneira a atenção de Góis durante muitos anos, outras civilizações estrangeiras tiveram para ele um significado pessoal. Estava presente quando foram apresentados ao rei alguns Índios do Brasil; Manuel I informou-se jovialmente do modo como viviam e desafiou-os a demonstrarem a sua famosa destreza com o arco e a flecha. Foi este o primeiro contacto de Góis com uma tribo primitiva, e dá-nos um exemplo da atitude despida de preconceitos que ele tinha para com a gente simples. Em vez de se sentir superior e condescendente, ou de conceber uma ideia romântica dos Índios, Góis, com curiosidade espontânea e calor humano, via-os tal como eles eram de facto.
A capacidade de Góis para se colocar no lugar dos outros revelou-se particularmente no seu encontro com Mateus, emissário do Negus da Etiópia a Manuel I em 1514/1515. Góis tinha apenas treze anos de idade quando Mateus chegou a Lisboa com o oferecimento de uma aliança militar da parte do Negus e com o pedido de que a Igreja etíope fosse admitida como membro da comunidade cristã do Ocidente, esperança essa que viria, infelizmente, a ruir.
Desde os tempos da Alta Idade Media que circulavam na Europa histórias descrevendo a riqueza e o poder dum soberano cristão no coração da África ou da Ásia. O Infante Henrique tinha mandado os seus marinheiros para o alto mar na esperança de o descobrir e de fazer dele um aliado contra os mouros. Agora tinha-se finalmente encontrado o fabuloso Negus mas as aspirações religiosas dos seus súbditos haviam de ficar frustradas. O rei Manuel I considerava a Etiópia um aliado militar desejável, potencialmente útil contra as arremetidas dos turcos em direcção ao Mar Vermelho, e recebeu Mateus com todas as honras devidas ao representante duma grande potência». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.
Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT