domingo, 29 de janeiro de 2012

A Estátua que não Parecia Bem. Malcolm Gladwell. «Decidir num piscar de olhos. Deram apenas uma olhadela à estátua, uma secção do seu cérebro efectuou uma série de cálculos instantâneos e, antes de que um pensamento consciente ocorresse, sentiram alguma coisa, precisamente o repentino aparecimento de suor nas palmas da mão…»

Cortesia de domquixote e businessinsider

«Em Setembro de 1983, um negociante de arte que dava pelo nome de Gianfranco Becchina entrou em contacto com o Museu J. Paul Getty da Califórnia. Disse estar na posse de uma estátua de mármore datada do século VI a.C. Era aquilo a que se chama um “kouros”, a escultura de um jovem de pé com a perna direita à frente e os braços caídos. Só se conhece a existência de cerca de 200 “kouros”, a maioria dos quais foi encontrada muito estragada ou fragmentada em túmulos e escavações arqueológicas. Porém, este estava quase perfeito e tinha uma altura de cerca de dois metros.
Apresentava um brilho claro que o distinguia das outras peças antigas. Era uma descoberta extraordinária. O preço pedido por Becchina chegava quase aos dez milhões de dólares.
Os responsáveis do museu agiram com cuidado.
Tudo indicava tratar-se de obra genuína. O estilo da escultura lembrava o “kouros” Anavyssos que se encontra no Museu Arqueológico Nacional de Atenas, o que significava fazer parte de uma determinada época e localização.
Quando e onde fora a estátua encontrada? Ninguém sabia ao certo, mas Becchina deu ao departamento jurídico do Getty uma pilha de documentos relacionados com a sua história mais recente. Segundo os registos, desde a década de1930 que o “kouros” fazia parte da colecção particular de um médico suíço chamado Lauffenberger, que o teria comprado a um conhecido negociante de arte grego de nome Roussos.
Contudo, havia um problema com o “kouros”. Havia qualquer coisa nele que não parecia bem. O primeiro a reparar foi o historiador de arte italiano Federico Zeri. Quando, em Dezembro de 1983, Zeri foi levado ao estúdio de restauro do museu para ver o “kouros”, reparou nas unhas da escultura. Pareciam-lhe erradas, mas não sabia muito bem porquê.

Cortesia de flick

Evelyn Harrison foi a pessoa que se lhe seguiu.
Bem, ainda não é nosso, mas sê-lo-á dentro de poucas semanas. Evelyn respondeu-lhe: «Lamento saber isso». O que é que Evelyn Harrison viu? Ela própria não sabia…
[…]
Rápido e Frugal
Imagine que eu lhe pedia para entrar num jogo de cartas muito simples. Tem à sua frente quatro baralhos de cartas - dois encarnados e dois azuis. Cada carta nesses quatro baralhos dá-lhe a ganhar uma certa quantia, ou então fá-lo perder uma outra quantia, e o que tem a fazer é virar as caras de qualquer um dos baralhos, uma de cada vez, de tal maneira que ganhe o mais possível. No entanto, ao princípio, o leitor ainda não sabe que os baralhos encarnados são autênticos campos de minas. Com as cartas encarnadas, a recompensa é alta, mas pode perder-se muito. Na realidade, só consegue ganhar tirando cartas dos baralhos azuis, que oferecem continuamente prémios muito apetecíveis de 50 dólares e só levam a perdas modestas. A questão é saber de quanto tempo uma pessoa precisa para descobrir a diferença entre os baralhos encarnados e os azuis.
Há alguns anos, um grupo de cientistas da Universidade do Iowa fez esta experiência e concluiu que ao fim de virar 50 cartas a maioria das pessoas começava a perceber como é que a coisa funcionava. Não sabiam porque é que preferiam os baralhos azuis, mas a certa altura estavam convencidas de que era melhor apostar neles. Depois de virar cerca de 8o cartas, a maioria percebia o jogo e conseguia explicar com precisão porque é que os dois primeiros baralhos eram uma má aposta. Até aí, a coisa é muito simples:
  • fazemos algumas experiências;
  • pensamos nelas;
  • elaboramos uma teoria;
  • e depois, somamos dois mais dois.
É assim que se aprende.
Porém, os cientistas do Iowa fizeram outra coisa, e é aí que começa a parte estranha da experiência. Ligaram cada jogador a uma máquina que media a actividade das glândulas sudoríparas localizadas na palma da mão. Tal como a maioria das nossas glândulas sudoríparas, as das palmas respondem tanto à tensão como à temperatura, e é por isso que ficamos com as mãos suadas quando estamos nervosos. Os cientistas do Iowa descobriram que os jogadores começavam a dar respostas sob tensão, em relação aos baralhos vermelhos a partir das 10 cartas, 40 cartas antes de serem capazes de dizer que havia algo errado com esses dois baralhos. Mais importante ainda, na altura em que as mãos começavam a suar, o seu comportamento também mudava.
Começavam a preferir as cartas azuis e a retirar cada vez menos cartas dos baralhos encarnados. Por outras palavras, os jogadores apercebiam-se do sistema do jogo, antes de perceberem que já se tinham apercebido; começavam a fazer os ajustamentos necessários antes de estarem conscientes dos ajustamentos que supostamente deveriam ter feito.

É óbvio que a experiência do Iowa não passa disso, um simples jogo de cartas envolvendo algumas pessoas e um detector de stress. Contudo, ilustra de um modo muito claro a maneira como a nossa mente funciona. Eis uma situação em que há muito em jogo, em que as coisas acontecem depressa e em que os participantes têm de processar muita informação nova e confusa num período de tempo muito curto.

Kouros
Cortesia de ebaliceit

E o que é que a experiência do Iowa nos diz? Diz-nos que nestas alturas o nosso cérebro usa duas estratégias muito diferentes para avaliar a situação. A primeira é a que conhecemos melhor: a estratégia consciente. Pensamos no que aprendemos e acabamos por dar a resposta certa.

É uma estratégia lógica e definitiva. Porém, precisamos de 80 cartas para lá chegar. É lenta e requer muita informação. No entanto, há outra estratégia, que funciona muito mais depressa. Começa a actuar ao fim de dez cartas e é realmente uma esperteza, pois percebe o problema das cartas encarnadas quase imediatamente. Contudo, tem uma desvantagem, que é funcionar, pelo menos ao princípio, completamente abaixo do nível da consciência. Envia as suas mensagens através de canais estranhamente indirectos, tais como as glândulas sudoríparas na palma da mão. É um sistema em que o nosso cérebro chega a conclusões, sem nos dizer imediatamente que está a chegar a conclusões.
A segunda estratégia foi o percurso feito por Zeri e Evelyn. Não levaram em consideração todos os indícios possíveis. Detiveram-se apenas naquilo que podia ser apreendido numa olhadela. O pensamento deles é aquilo a que o psicólogo do conhecimento Gerd Gigerenzer chama «rápido e frugal». Deram apenas uma olhadela à estátua, uma secção do seu cérebro efectuou uma série de cálculos instantâneos e, antes de que um pensamento consciente ocorresse, sentiram alguma coisa, precisamente o repentino aparecimento de suor nas palmas da mão dos jogadores.
Será que sabiam porque é que sabiam? De maneira nenhuma. No entanto, “sabiam”».
In Malcolm Gladwell, Blink, Publicações Dom Quixote, 2006, ISBN 978-972-20-4079-2.

Cortesia D. Quixote/JDACT