sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Poesia. Sofia de Mello Andresen. «Esta gente cujo rosto às vezes luminoso e outras vezes tosco. Ora me lembra escravos...»

Cortesia de ua

Esta gente
Esta gente cujo rosto
às vezes luminoso
e outras vezes tosco.

Ora me lembra escravos,
ora me lembra reis.

Faz renascer meu gosto
de luta e de combate,
contra o abutre e a cobra,
o porco e o milhafre.

Pois a gente que tem
o rosto desenhado
por paciência e fome,
é a gente em quem
um país ocupado
escreve o seu nome.

E em frente desta gente,
ignorada e pisada
como a pedra do chão,
e mais do que a pedra
humilhada e calcada.

Meu canto se renova
e recomeço a busca
de um país liberto,
de uma vida limpa
e deum tempo justo.

Escuto
Escuto mas não sei
se o que oiço é silêncio
ou deus.

Escuto sem saber se estou ouvindo
o ressoar das planícies do vazio
ou a consciência atenta
que nos confins do universo
me decifra e fita.

Apenas sei que caminho como quem
é olhado, amado e conhecido,
e por isso em cada gesto ponho
solenidade e risco.

Poemas de Sofia de Mello Andresen, in «Geografia, 1967»

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