Plano de Tomar, anos 60
Cortesia de epresença
Sítio e história
Nascida cristã de Reconquista junto do rio Nabão e tendo memória de um sítio romano de anterior designação, com passagem e estada de bárbaros, Tomar tem em sua história precedente três situações sabidas da ocupação do território muito disputado da Lusitânia, entre o Mondego e o Tejo.
Certo é que no “conventus scalabitanus” da jurisdição romana e junto e a meio do troço da estrada de Olisipo a Bracara, que ligava Scalabis a Conimbriga, existia, mencionado no itinerário de Antonino, do século III, o município de Sellium, com «prova evidente», (J. Narcão, 1987) de importantes achados arqueológicos (uma das três cabeças de Augusto encontradas em Portugal), além da Igreja de Santa Maria do Olival, junto ao sítio de Marmelais, na margem esquerda do rio. Mais do que “villae rusticae”, um fórum aponta para local proto-urbano de relevo.
Nabância, fundada primordialmente pelos Túrdulos em 480 a. C. e, seiscentos anos depois, pelos romanos de Trajano, na ideia simplista transmitida por Pinho Leal em 1873, foi, porém, nome que, tirado da designação do rio, perdurou na mitologia local, muito estimada (Vieira Guimarães, 1927), sobrepondo-se ao de Sellium, Selio já, dos Suevos de c. 570, e mais ou menos usado pelos Visigodos que dominaram aqueles, poucos anos depois, afinal a mesma povoação com dois nomes diferentes, em diferentes e sucessivas épocas, com datas de fundação e denominação de impossível acerto. Têm sido isso tema de longa discussão mais ou menos erudita, que hoje pode considerar-se fixada.
Discutido foi também o nome do rio: Nabanus, que deu verosimilmente Nabância, local senão região que, como Namba, parece vir de Nava, nome do território ou “pagus” por ali definido e documentado, quando da delimitação, ‘divisio’, dos bispados de Coimbra, Lisboa e Guarda, aliás, então, Idanha, em famoso documento do século VII, em topónimo pré-romano «talvez etrusco», aventou-se; ou Tomar, por imaginosa origem árabe, que estaria em «Tamaramá», significando água com gosto de tâmara, doce por consequência.
Inscrição de Gualdim Pais em Sta. Maria do Olival
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É ideia, ao que parece, do Pe. Carvalho da Costa em sua “Corografia... de 1712”, apoiando-se na citação de terras «entre os rios Zêzere, Tomar (que seria, provavelmente "de Tomar") e ribeira de Bezelga», e em outros documentos de leitura incerta; e também um «portu(m) de Thomar» surge num documento já de 1159 que tanto pode referir curso de água como local de terra à sua beira.
Mas como local é iniludivelmente designado, quatro anos mais tarde, por D. Gualdim Pais ao dar foro aos povoadores pioneiros de um campo já certamente assim conhecido por ser referido na «Chronica Gothorum», da “Portugaliae Monumenta Historica” no passo que cita a derrota ali («in Thomar») sofrida pelos cristãos, em 1137. É de sítio de batalha e de povoação que, num caso e noutro, se trata, e não deixará de haver confusão entre o rio, documentado como Nabão pelo menos desde 1254, e a povoação fixada no nome de Tomar (Vieira Guimarães, 1927), sem esquecer, porém, que, em 1465, um viajante estrangeiro, que Camilo traduziu, achou ser «anónimo», o rio que «regava» a vila, sendo apenas «o rio de Tomar». E ainda este nome continuou em discussão de origens com uma hipótese (Vieira de Guimarães) que pretendeu fazê-lo derivar de tomo ou tomilho, como campo abundante dessa planta; e com outra que nele via o caso genitivo de Theodomarus (A. Almeida Fernandes, na G. “Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”, c. 1960), designando na circunstância uma propriedade rural ou “villa”, anteriormente existente, sem mais provas dela. Na lápide do túmulo de Gualdim um genitivo diz Tomaris e em 1319 a forma acusativa Thomarium surgiu na bula de Adriano IV Mais pitoresca é, sem dúvida, a declaração recolhida em 1313 da boca de um camponês do sítio (e fixada nas «Inquirições» desse ano) que, por ter ouvido dizer, pensa ter sido tirado o nome da povoação de um grito de montaria ao javali: «tóma-lo, tóma-lo». Bem achado, ao menos...
Tomar dos Templários
Tomar do Templários D. Henrique
Desenhos de Costa Rosa
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Era então todo o sítio originalmente matagal, embora o dissessem, de memória também, em 1317, «pobrado dantigo», e com (ou sem - divergem os testemunhos dessa memória) algum castro, que seria no cabeço da margem fronteira - estando em ruínas o povoado romano-visigótico Sellio-Namba e a fortaleza de idêntica origem, ou já só da segunda ocupação. Esta teria sido marcada, em 631 ou32, pelas tropas do rei Sezinando, com conventos erigidos uma dezena de anos depois, pelos frades «negros» de S. Bento, no sítio de Sellium, e com freiras instaladas do outro lado do rio, onde os franciscanos se domiciliariam mais tarde. Tudo isso, assim suposto, teria sido arrasado pelos Mouros em 716, mas deixado sem ocupação violenta já que Coimbra e Santarém não lhes tinham então resistido. A reconquista de Coimbra, por seu lado, e na sua altura, tornou a região terra de ninguém, «marca» nos vaivéns das operações abaixo dessa tomada, só trazida à História no século XII pela dita batalha de Tomar, ou quando Afonso Henriques, em 1137 e 1159, a doou à milícia templária chamada por D. Tareja, uma dezena de anos atrás, para Fonte Arcada, perto de Penafiel, e já então os cavaleiros tinham contribuído para a decadência dos Almorávidas em Ourique, onde o seu primeiro Mestre nacional encontrou a morte, e nas conquistas de Santarém, onde se instalaram até 1158, e de Lisboa, em 1139 e em 1147.
O rio que atravessava a região, o definitivamente Nabão, a ela daria nome (ou a uma «sub-região Nº 33», incluindo mais três concelhos vizinhos, como já no nosso século se diria), curso de água de 65 quilómetros que vem sobretudo da fonte do Agroal, recebe ribeiras afluentes e desagua a uma légua a leste da Asseiceira, no rio Zêzere que lhe leva as águas confundidas até ao Tejo, junto a Constância ou Punhete. Fernão Álvares, dito do Oriente, cantaria, nos fins de Quinhentos, naquela parte da grande Lusitânia, onde ‘se logra uma perpétua Primavera’…» In Tomar “Thomar Revisited”, José-Augusto França, Editorial Presença, Lisboa, 1994, ISBN 972-23-1846-2.
Cortesia de Editorial Presença/JDACT