«(…) Quanto às
condicionantes e limites do movimento estudantil, julgamos não errar ao
considerar que eles estão intimamente ligados à ambiência política envolvente
do meio académico. Mas não só. Factores de índole específica são poderosos
agentes no processo evolutivo de uma dada estrutura (dois exemplos: a luta
levada a efeito, em 1919, pela
Federação Académica de Lisboa contra o propósito de o Governo e o Parlamento
intervirem na vida e na orgânica universitária, através da fiscalização da
execução das suas leis e da escolha e nomeação do professorado e reitores; em 1926, e durante largos meses, as três
academias estão em greve, entre outros motivos, por discordarem de um decreto
que torna a contratação de professores dependente de factores de ordem política).
O desenvolvimento do associativismo, sobretudo do associativismo federativo, depende de circunstâncias várias, que vão desde o
distanciamento espacial entre as diversas escolas, institutos e faculdades,
passando pelo desnivelamento social, que conduziu, não raras vezes, a uma
hostilidade latente entre, por exemplo, alunos do Instituto Superior Técnico e
alunos dos Institutos Industriais (outra das causas da greve de 1926 residiu na contestação movida
pelos estudantes do Instituto Superior Técnico de Lisboa e da Faculdade Técnica
do Porto contra a atribuição do título de engenheiro-auxiliar
aos formados pelos institutos industrias, alegando que estes se pretendiam
confundir com os licenciados pelos institutos superiores...), até à
inexistência de uma mentalidade propiciadora dos gestos colectivos.
O impulso que, em 1913,
produziu a Federação Académica de Lisboa foi esmorecendo lentamente, apesar dos
periódicos sobressaltos suscitados por alegadas violações dos direitos
estudantis. Os dois números da Revista da Federação Académica de Lisboa atestam
bem a pouca consistência da estrutura federativa, sobrevivendo à custa do
entusiasmo de meia dúzia de boas vontades. Como todas as regras têm as suas
excepções, a Associação Académica do Porto oferece, talvez por razões de ordem
sociológica, um panorama relativamente menos sombrio, em especial durante a
década de 20, tendo conseguido manter de 1922 a 1929 a publicação regular do
jornal Porto Académico. Jornal que, no entanto, não deixa de nos
transmitir, em Janeiro de 1929, uma
toada de profundo desencanto: a falta de pensamento e de acção, já não digo da
academia do Porto, mas da actual geração académica portuguesa, tem sido um
facto tão real, tão patente, que se impõe, com força de evidência, à nossa
sensibilidade. [...] A quase totalidade da massa académica encontra-se ainda
hoje dominada por um preconceito deplorável. Entende ela que a vida de
estudante, para além do tempo ordinário que o seu curso lhe exige, deve ser completamente
esgotada pela blague, pela facécia, alheada por completo dos problemas
graves que afectam a Nacionalidade. Escassos meses após terem sido escritas
estas palavras, a força de novos acontecimentos provocará o agitar das vontades
adormecidas.
Uma das primeiras manifestações de
inconformidade oriunda da juventude republicana, perante o evoluir do processo
político desencadeado na Primavera de 1926,
surgiu paradoxalmente adentro do tradicional bastião do conservantismo
nacional. Pouco mais de um mês volvido sobre a fracassada tentativa de
restituir ao País a legalidade institucional, precisamente em 9 de Abril
de 1927, um grupo de rapazes republicanos de Coimbra, mais ou menos dispersos e
confundidos no seio dum grémio de estudantes de fama reaccionária, resolveram
desfazer esse equívoco e definir, num momento notoriamente difícil da vida
nacional, que coisa é o seu republicanismo e em que princípios basilares se
sustenta uma consciência cívica de que se ufanam. Liderando a iniciativa,
quatro nomes sonantes do Centro Republicano Académico de Coimbra: Carlos Cal
Brandão, Paulo Quintela, Sílvio Lima e um jovem a quem muitos
auguram uma brilhante carreira literária, Vitorino Nemésio. Entre a
lista de eventuais colaboradores destacam-se Rodrigues Miguéis e António
Sérgio, este último já exilado em Paris, de onde envia alguns artigos para
o jornal Gente Nova. Paralelamente ao relançamento das
actividades do Centro Republicano Académico de Coimbra, procura-se dinamizar a
Associação Académica, partindo esta diligência de um grupo de estudantes que se
pretende acima de querelas partidárias ou religiosas. Desde modo, o jornal Mocidade,
editado pela Associação Académica, apresenta-se aos seus potenciais
leitores como um exemplo de imparcialidade,
isenção de paixões, ideias claras e desempoeiradas, crítica acerada dos que com
culpa prevaricam, perdão pleno para os pobres de espirito, vigor no ataque e
lealdade na defesa». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a
Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e
Condicionantes do Movimento Estudantil,
Análise Social, vol. XIX, 1983.
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