A
figura do rei através dos documentos oficiais do seu reinado
«(…) O facto é que foi Pedro I, o
primeiro rei português a afirmar-se detentor de um poder absoluto, usando
algumas vezes essa fórmula nos documentos da sua chancelaria. Baquero Moreno
considera que esta concepção do poder por parte do rei terá implicações
directas no seu próprio entendimento da lei: Em conformidade com o seu poder
absoluto o rei era a representação da lei viva. Expressões como querendo lhe fazer graça e merçee
ou tenho por bem e mando,
muito frequentes na sua chancelaria, constituem, afinal, formas simples de vincar
a diferença de posições entre os que vão pedir algo e aquele que concede um favor,
pois detém o poder de o atribuir ou de o negar. Acrescia ainda a esta posição,
já de vantagem, o facto inquestionável de o rei ser detentor de um poder
directamente delegado pela divindade, em nome da qual era exercida a autoridade
real; aliás, ao contrário do que se poderia depreender de algumas demonstrações
de má vontade para com o clero, a crença religiosa parece nunca ter abandonado
o pensamento do monarca, se atendermos não só a diversas formulações de artigos
da chancelaria, mas também às suas determinações finais, como afirma Montalvão
Machado: D. Pedro mostrava-se
efectivamente bastante religioso, como demonstrou na redacção do seu
testamento, impregnado duma preocupação de salvação da alma, maior do que se vê
no testamento de D. Afonso IV, muito maior do que a revelada pelo testamento de
D. Dinis. Após a afirmação do poder real perante os diversos grupos
sociais, Pedro I parece ter sentido necessidade de adaptar à sua máquina da
administração central (e, principalmente, no que se referia ao sistema de
aplicação da justiça) a imagem de firmeza, imparcialidade e honestidade com que
o próprio era identificado.
Consideramos
que será neste contexto que, a partir de certa altura, os próprios diplomas da
chancelaria perspectivam tudo em
função do rei, da sua imagem. Cremos que terá sido necessária a
intervenção pessoal do rei para implementar, nesta época, um sistema de justiça
em que as sentenças aplicadas respeitavam as formalidades processuais exigidas
pela legislação e asseguravam algumas garantias aos acusados, tanto mais que,
simultaneamente, se legislou no sentido de permitir o rápido desembargo dos assuntos pendentes e de evitar tudo o que possa dar lugar a situações
de favor ou a desonestidades cometidas no exercício dos cargos. Para além
desta tentativa de moralização junto dos servidores régios, sentia-se a necessidade
de obrigar ao cumprimento das decisões da justiça real; para este fim, o rei adverte,
amiúde, nas próprias cartas da sua chancelaria, para as punições em que
incorrerão os prevaricadores: seiam
certos que aos seus corpos e averes me tornarey eu porem. ou stranhar lho ey nos corpos como minha
mercee for. Assim, poder-se-á considerar que, por esta altura, a
principal fonte do poder de Pedro I não é o amor que provoca, mas o temor que
suscita. Esta nova realidade relativa à aplicação da justiça, em
flagrante contraste com a prática até aí conhecida e sentida pelas populações,
foi indicador decisivo na adesão do povo à figura do rei Pedro I. A paixão pela
justiça, tantas vezes mencionada em relação a este monarca, é visível nos
diplomas da sua chancelaria e resume realmente a essência de um rei cuja vontade
he e foy sempre d estranhar e castigar os
maãos fectos, independentemente da origem social do criminoso». In Pedro Jorge Rodrigues, A personagem D. Pedro,
Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI, Tese de Mestrado em Estudos
Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, Coimbra, 2006,
Cortesia
de UAberta, Coimbra/JDACT