«Falando
de amor como objecto de literatura, falo por certo de Lawrence, mergulhado na
teia freudiana das majestosas triangular love
stories que nos legou, solitário na sua condição de homem-de-elite e
sofrendo toda a amargura do isolamento que nele e à sua volta reina. Desdenhoso
e mártir, recusa-se a ultrapassar o limite da justificações individuais e firma
por isso nos signos de Édipo, nas intangíveis rotas do instinto ancestral, a
raiz última do comportamento dos seus personagens. E f alo também de Gide,
outro sinal da mesma latitude, patriarca da irrealidade feita, ainda, realidade
particular: Tocando a tema e pousando nela apenas um pé nu, o mago Gide desfia
as sentenças dum paganismo divinizado e entroniza Nathanael, esse filho pródigo
de Werther, dogmático de candura e despido de sinceridade afectiva. Ousa, assim,
descrever a oratória do idílio intemporal, a coberta duma visão limitada do tempo
e dos fenómenos que a compõem. De intemporal que é, o amor dita
intelectualizado de Nathanael queda-se numa suspensão latente sem aquela carga
emotiva que vigora na libertação mítica da soledade de Constance de Chatterley,
por exemplo.
Mas
acabam por equivaler-se os dois dramas: instintivo um, sublimado o outro, ambos
vêm a demonstrar-se inconsequentes em si mesmo e sem solução real e efectiva,
impasse este de que procurou libertar-se a odisseia de Davíd H. Lawrence ao
ensaiar uma ética do instinto ou, já em última análise, resignando-se a reduzir
toda a luta a um entendimento inteligente da couple: Saibamos ao menos, disse ele, pensar sexualmente com
inteligência e plenitude. - Recurso extreme,
creio eu, de quem não pode já agir, pensando. Não me repugna aceitar que ao
leitor a comparação possa parecer excessiva e descabida. Arrisco sublinhá-la,
apesar de tudo, em vistas da grande marca que tanto Lawrence como Gide deixaram
na literatura actual em que se erguem como magníficos e renovados pilares dos velhos
cânones do amor. Se venho falar de ambos é porque cuido que o retorno a estes
velhos princípios, mormente ao clássico triângulo
sentimental e à consequente luta pela conquista da mulher, tende a alienar
a verdadeira imagem do homem de hoje. Vida e força da temática de Lawrence, tal
luta, se bem que na superfície antagónica da assexuada e metafísica especulação
gideana, vem não obstante a confundir-se com ela num paralelo de igual latitude:
o amor como razão primeira e última do homem». In José Cardoso Pires, Histórias
de Amor, colecção Os Livros das Três Abelhas, Editorial Gleba, Lisboa, 1952,
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Cortesia
E Gleba/JDACT