Nos
reinos da Península Ibérica, durante a Idade Média, na linguagem das
chancelarias utilizava-se a palavra infante
ou infanta, (infans) para
designar os filhos ou filhas legítimos do rei. É neste sentido que se deve
entender o título dado a onze das doze mulheres portuguesas que, entre 1165
e 1816, casaram com outros tantos príncipes herdeiros ou reis de outros
reinos peninsulares, convertendo-se assim em rainhas de Leão, Castela, Aragão e
finalmente de Espanha. Durante esses quase setecentos anos desenrolaram-se em
Portugal vários acontecimentos que tiveram uma relação estreita com essas infantas
por intermédio dos seus matrimónios, entre eles a fundação dos mosteiros de
Lorvão e Arouca, em meados do século XIII, a demarcação da fronteira com
Castela, a mais antiga da Europa, fixada pelo Tratado de Alcanises, de 1297, o triunfo na Batalha do Salado, em
1340, a crise que desembocou na
invasão castelhana durante a regência de dona Leonor Teles, em finais de 1383, e que conduziu à vitória na
Batalha de Aljubarrota, a guerra com Castela empreendida por Afonso V para
defender os direitos da sua sobrinha, a Excelente Senhora, no último quartel
do século XV, e as tentativas de união com Portugal desejadas por Isabel, a Católica e Filipe II de Espanha, pois
as mães de ambos procediam da estirpe real lusitana. Contudo, apesar de esses
episódios serem bem conhecidos, não sucede o mesmo com as infantas que em
grande medida os originaram.
Foi
dar a conhecer esses episódios que nos propusemos com esta obra, traçar perfis
históricos dessas mulheres que nos permitam dar-lhes o devido valor na medida
que neles participaram, começando pelas suas origens e assinalando os actos
mais importantes da sua vida como rainhas consortes. Na sua maioria esses
aspectos são pouco valorizados, apesar da grande importância que tiveram em cada
momento, quer como presentes de paz quer como possíveis defensoras dos
interesses portugueses nos seus reinos de adopção. Em primeiro lugar, haveria
que destacar a sua importância como mães do futuro herdeiro, a mais importante
função de qualquer infanta que se tornasse soberana, pois só a partir do nascimento
de um descendente, melhor ainda se fosse varão, se tornava efectiva a aliança
assinada, no caso que nos ocupa, entre o rei de Portugal e o marido da sua
filha (sempre e quando o papa não declarasse ilegítimo o matrimónio, como
sucedeu nos três primeiros casos). Daí resultava que o primeiro desafio que
se apresentava a uma infanta, mal casasse, era demonstrar que era fértil. Ao
longo de sete séculos, os motivos de uniões dinásticas entre infantas de Portugal
e príncipes ou reis peninsulares iriam variando, mas a sua capacidade de
gerarem filhos seria uma conditio sine qua non. Num primeiro
período, que inclui os matrimónios das três primeiras infantas, tentava-se
consolidar o reino de Portugal, ainda jovem, através dessas alianças, de um
modo geral como corolário de um acordo de paz com um reino mais antigo e
poderoso, Leão nos dois primeiros casos. Posteriormente tentar-se-ia, com o
casamento das infantas, favorecer o alargamento do território, em detrimento dos
seus vizinhos e por meio da fixação de fronteiras com Castela. O matrimónio de
uma delas com um rei aragonês, verdadeira excepção à regra teria exclusivamente
um carácter estratégico defensivo a respeito do reino de Castela.
Uma
vez atingidos os objectivos acima mencionados, surgiram novas finalidades para
o casamento das infantas de Portugal com reis castelhanos, entre outros,
favorecer a unidade das coroas, assunto que as capitulações matrimoniais
cuidavam sempre de apresentar de forma ambígua, para não ferir as susceptibilidades
dos súbditos de ambos os reinos. Durante o período que coincide com a
consolidação da conquista e colonização dos seus respectivos impérios na
América, não se realizou nenhuma aliança dinástica. Até então, o último
matrimónio de uma infanta portuguesa com um rei espanhol realizara-se em
1525, e que acabou por comprometer a
independência de Portugal, com a chegada dos Áustria espanhóis ao trono
lusitano. Houve que esperar até 1725
para que se aquietassem os receios mútuos, e que uma infanta portuguesa,
pertencente já à dinastia de Bragança, aspirasse tornar-se, por meio de
casamento, rainha de Espanha. Depois deste casamento, houve outro, o último, que
teve lugar em 1816. Em ambos os
casos, entre as principais motivações contava-se fazer face às ameaças que
pesavam sobre os respectivos impérios na América». In Marsilio Cassotti, Infantas de
Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.
Cortesia
ELivros/JDACT