São
Francisco
«(…) Na noite
passada, travou-se uma batalha épica no jogo SingStar. O Congresso e a Casa
Branca estiveram em suspenso até saírem os resultados finais. O grupo que
perdesse teria de ir até Reno e tirar uma fotografia à porta do casino Harrahs.
Os vencedores foram a Team Bieber e o grupo perdedor foi incitado a partir de
imediato para Reno. No entanto, os poucos elementos presentes na festa que não
estavam totalmente bêbedos, lembraram-se de uma coisa importante: alguém teria
de ir a conduzir. Logo, não poderia estar bêbedo. Segundo fontes não
identificadas, descobriu-se uma pessoa que tinha acabado de chegar à festa e
que ainda não tinha bebido. Imediatamente lhe disseram que teria de ir até
Reno, apesar de não ter entrado no concurso. Essas mesmas fontes, que preferem
anonimato, dizem que, ao ver que esse grupo tinha 4 raparigas bêbedas, terá
pensado que facilmente teria animação nessa noite. Daí ter aceitado. No
entanto, e apesar de muito bêbedos, lembraram-se de outro problema: não poderiam
ir até Reno num carro. Eles eram 11 e um carro apenas daria para 5. Era
necessário uma carrinha.
Tal como acontece
quando há terramotos, as redes sociais tiveram uma grande importância em todo o
processo. Graças a elas, espalhou-se que era necessária ajuda humanitária.
Alguém teria de arranjar uma carrinha que levasse 11 pessoas. Poucos segundos
depois, alguém recebeu uma mensagem: eu tenho
uma. E assim foi, ao fim de 10 minutos, o amigo, do amigo, do amigo de
alguém apareceu lá com uma carrinha. Era velha, mas ele garantiu às nossas
fontes que teria capacidade para chegar até Reno e voltar. Queria apenas, como contrapartida,
ser ele a conduzir e que lhe pagassem a gasolina. Isso causou alguma
turbulência, porque o convidado da festa que já se tinha oferecido para guiar,
disse que também queria ir. Resolveu-se tudo a bem, acabando por irem 12
pessoas para Reno. E assim vai a juventude do nosso tempo.
Poderia relatar que
a viagem pela auto-estrada, desde São Francisco até Reno, foi feita a cantar o Kumbaya, a ver belas paisagens pela
janela, mas sobre a viagem, e uma vez mais, apenas posso dizer isto … uma boa m…
Acordei com o sol a bater-me na cara. Com o sol e um pé em cima da minha cabeça.
O sol, percebi mal abri os olhos, o pé, só uns segundos mais tarde, pois achei
estranho ter algo em cima da minha cara a fazer tanto peso e a cheirar mal ao
mesmo tempo. Tentei levantar-me para perceber o que se estava a passar e,
finalmente, soube o que se sente com a ausência de gravidade. Todos os meus
movimentos demoraram oito vezes mais tempo a serem executados e parecia estar
sempre em câmara lenta. Estarei na lua?
pensei eu. Serei uma astronauta?
Por estes dois pensamentos, dava claramente para perceber que eu ainda estava ligeiramente
bêbeda e que a dificuldade em me movimentar era por estar em ressaca. Demorei 4
minutos a levantar-me da cama. Olhei à volta. Estava num quarto. Não era o meu.
Na cama havia uma orgia. Ou tinha havido. Hmmm…, talvez não tivesse havido
porque todas as pessoas estavam vestidas. E eram muitas. Umas cinco. Delas
apenas consegui identificar a Jen e dois ex-colegas da faculdade, que nem vale
a pena dizer os seus nomes. No chão, estavam deitadas mais uma…, duas…, três…,
não consegui contar mais. Então o meu cérebro enviou-me um mail: Não temos
capacidade para processar informação. Talvez mais daqui a um bocado. Ao
longe, comecei a ouvir um som. Era uma música. Talvez fosse uma das músicas da
noite anterior que me estivesse a assombrar por tê-la assassinado. Simultaneamente,
comecei a sentir uma comichão na perna. A cama devia ter pulgas. Uma pulga. Yew.
Espera. Espera. Pode não ser uma pulga,
pensei. Pus a mão no bolso com algum medo. Tirei o iPhone, que não
parava de vibrar. Não era uma pulga. O meu telefone estava a explodir num coro
de notificações no Facebook. Dezenas de likes
e comments iam chegando a fotografias
onde eu estava. Comecei a ver as fotogr…, oh my god…, o que é que nós tínhamos andado a fazer na madrugada anterior, em
Reno?! Eu tinha publicado, no meu perfil, fotografias nossas no palco do
Harrahs a cantar, a fazer surf nas cadeiras do restaurante, dentro da cozinha a
roubar…, oh my god…, havia fotografias de mim com um homem lindo. Olhos azuis.
Corpo fantástico. Tatoos nos braços.
Cabelo escuro com uma crista. Piercings.
Os meus pais iriam odiá-lo. Eu já o amava. Quem
é este tipo?, foi o pensamento que passou pela minha cabeça nos três minutos
e meio seguintes. Não havia mais fotografias do grupo. Apenas de mim e dele. Mais
de vinte fotografias. Dentro do casino a apostar e, pela nossa cara, a ganhar
dinheiro. Num spa, tapados apenas por
toalhas. Dentro de um campo de golf, em pleno dia. Aí entrei em pânico». In Francisco
Salgueiro, Estou Nua e Agora?, Editora Oficina do Livro, 2014, ISBN 978-989-741-159-5.
Cortesia
EOLivro/JDACT