terça-feira, 14 de maio de 2013

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «No final dos anos vinte, a formação social portuguesa atravessa o momento crítico de uma prolongada crise económica que reforça a situação de dependência e de atraso que estruturalmente a caracterizam»

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Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) No entanto, a República procura a todo o custo equilibrar as finanças do Estado, reforma fiscal de Portugal Durão em 1922/23, inverter a tendência inflacionista e estabilizar o custo de vida; mas o clima de tensão social e o estado de insegurança política, três tentativas golpistas entre Agosto e Setembro de 1924, (será o que nos falta?) não reabilitam a confiança dos investidores, as associações patronais e os grandes grupos económicos organizam-se e, em Setembro de 1924, constituem a União dos Interesses Económicos, UIE, com o fim último de acabar com a desordem e a partidocracia. Porém, os milhares de desempregados produzidos pelo agravamento da crise, o início das deportações sem julgamento de activistas operários, desmantelando em grande parte a organização operária cuja imprensa se encontra em nítida regressão e os excessos das forças repressivas, vão operar uma determinante clivagem política. Em Novembro de 1924 a Esquerda Democrática, ED, de José Domingues Santos sobe ao poder. Segundo Fernando Medeiros, terá sido a natureza radical dos seus projectos, proposta de reforma agrária de Ezequiel Campos; política económica de apoio às pequenas e médias empresas; reconhecimento oficial da Confederação Geral dos Trabalhadores, CGT, libertação dos operários detidos nos meses anteriores e dissolução da Associação Comercial de Lisboa, ACL, que a fez cair em Fevereiro de 1925, mau grado as manifestações populares de apoio ao governo canhoto.
César Oliveira refere igualmente que a breve experiência de governo da Esquerda Democrática presidida por José Domingues Santos assustou as forças sociais e políticas mais conservadoras, dado representar uma saída com apoio popular para a crise da República. Simultaneamente, a reforma financeira não produz os efeitos esperados e o Partido Democrático agrava a pauta alfandegária. No entanto, os mercados nacional e colonial encontram-se em contracção e a falência de centenas de casas comerciais implica consequências de ordem social. É contra esta anarquia governativa que os militares de Braga se revoltam, contra uma República que experimentou 29 ministérios, 13 golpes militares, 4 eleições legislativas e 3 Presidentes da República entre 1919-1926 sem que o seu pessoal político tivesse conseguido granjear a confiança dos investidores e conservar a sua base tradicional de apoio, num processo que acaba por dissociar a tradicional base de apoio da República. A desagregação económica, social e política da República tornaria assim possível que as diversas oposições se aproximassem e se instalasse a crise de legitimidade dos bonzos do PRP.
Fernando Rosas resume:

  • No final dos anos vinte, a formação social portuguesa atravessa o momento crítico de uma prolongada crise económica que reforça a situação de dependência e de atraso que estruturalmente a caracterizam. Uma classe dominante enfraquecida, dividida por contradições, que a conjuntura agrava, sem um sector claramente hegemónico e sem capacidade de enquadramento de um movimento operário em declínio, mas com um passado recente de forte agressividade social e política, põe-se de acordo quanto à necessidade de um novo tipo de poder político.

Instaurada a28 de Maio de 1926, a Ditadura Militar não pôs, também ela, fim à instabilidade característica da República distinguindo-se, ao invés, pela luta activa que evidencia um dos períodos mais convulsivos da história política portuguesa deste século XX. Filha de grandes incertezas, hesitações e tergiversações, a Ditadura Militar sabia apenas para o que nascia: derrubar o partido identificado com António Maria Silva e afastar os homens do Partido Republicano Português das cadeiras do poder. Era esse o objectivo dos partidos e forças políticas consensualmente empenhados na obra de regeneração nacional sob a iniciativa das Forças Armadas.
No entanto, e apesar do objectivo comum, o levantamento não traz consigo qualquer programa previamente definido. É exactamente essa ambiguidade a responsável pelo florescimento de concepções as mais diversas acerca do modo de reformar ou romper com o regime vigente e futura condução dos destinos do país. Neste contexto, os objectivos contraditórios e radicalmente opostos apresentados por cada uma das forças políticas presentes dão origem a separações de interesses entre os revoltosos, aquilo que Fernando Rosas designou por clarificações no processo de transição da Ditadura Militar para o Estado Novo.
Até 1931, a Ditadura Militar caracteriza-se por um equilíbrio instável resultante da luta entre republicanos liberais e conservadores, por um lado, e forças antiliberais e antidemocráticas, por outro. Partidários da instauração de uma república conservadora, embora liberal e parlamentar, o primeiro bloco, com estreitas ligações com a elite militar conservadora e republicana, aposta numa mudança de turno que, dentro da legalidade constitucional, traga ao país a alternância necessária e coloque a ULR na direcção do Estado. E o grupo que se revê na direita republicana onde predominam o Partido Nacionalista, PN, e a ULR de Cunha Leal. O segundo bloco, apoiado pelas forças conservadoras em geral, monárquicos, integralistas e pró-fascistas, preconiza um corte radical com o passado e a Ditadura como um fim em si mesmo, garante da ordem e de uma política conservadora». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT