Luta obstinada pela
Independência
Os condes Raimundo e Henrique firmam aliança secreta para se apoderarem
da herança de Afonso VI
«(…) Mas, bruscamente, toda a Europa estremeceu, sacudida por um acontecimento
de extraordinária importância religiosa. Surgira Pedro Eremita, bem
apoiado pelo papa Urbano II, a pregar a primeira Cruzada. A sua mística
exaltação, a sua fé ardente e a sua palavra arrebatadora criaram um clima de tal modo heróico que os mais
audazes cavaleiros cristãos não hesitaram em partir para a Terra Santa, no
propósito de libertarem da afrontosa presença muçulmana o túmulo de Jesus. Sabe-se
como foi desastrosa essa aventura no oriente. Das centenas de cavaleiros
cristãos que partiram, poucos puderam voltar com vida e muitos por lá se
quedaram cativos dos maometanos.
Contudo, este desastre não impediu que, seis anos decorridos, em 1101, nova Cruzada seguisse para a
Síria, e nessa segunda aventura parece quase certo ter-se também incorporado o
conde Henrique. Como decorreu por lá a
sua existência? Entrou em combate? Cometeu
façanhas de vulto? A história
mantém-se silenciosa a tal respeito. Teria chegado a partir? Duvida-se.
De certeza, apenas se sabe que em 1105
se encontrava em Portugal, talvez de regresso do Oriente, e que em 1106 vivia na corte do rei de Leão e
Castela, seu sogro. Também se admite a
hipótese, sem documento que o confirme, de que Maurício, por
essa época bispo de Coimbra, o acompanhasse nessa viagem à Síria e que tivesse
aproveitado a passagem da armada genovesa que em 1104 ajudara Balduíno na conquista de Ptolemaida, para os
transportar.
Do que parece não haver dúvidas é que, desde certo momento, depois da
sua suposta viagem à Síria, já o não satisfazia a relativa autonomia que
desfrutava no governo do seu território, apesar de este constituir propriedade
sua e hereditária. Dir-se-ia pesar-lhe a vassalagem em que tinha de permanecer
perante o imperador. As primeiras aspirações de independência teriam germinado então
no seu espírito. E, acaso, não estariam também encorajando o conde as próprias
aspirações de independência do velho povo lusitano, que, através dos séculos
anteriores, sacudira sempre que pudera o
jugo estrangeiro? Talvez o amor à
liberdade da rude Lusitânia e as ambições de grandeza geradas na mentalidade
feudal do fidalgo bolonhês coincidissem nesse momento histórico.
Simultaneamente, no conde Raimundo seu primo, que governava a Galiza,
despertavam ambições semelhantes, estimuladas pelo facto de sua mulher D.
Urraca ser filha legítima e primogénita de Afonso VI. Daí o julgar-se o conde
no direito de herdar a coroa de Leão, por morte de seu sogro. E estas
pretensões eram bem aceitas pela nobreza do reino. Sucedia, porém, que o monarca
tinha um filho, o jovem Sancho, com que o brindara Zaida, filha
de Ibn-Abed, emir de Sevilha, e tencionava deixar-lhe o trono. Esta
intenção, desagradando sobretudo a D. Urraca, que, além de primogénita, se
julgava mais legítima, talvez por ser filha de cristã, e era extremamente
ambiciosa, como os factos o confirmarão, originou inimizades e provocou atritos
entre Raimundo e o velho rei de Leão e Castela, cujo fim os herdeiros pareciam
desejar sofregamente.
Sabendo que Afonso VI já exarara em testamento a sua última vontade de
que Sancho, filho de Zaida, lhe sucedesse no trono, o conde Raimundo,
talvez instigado pela mulher, tratou de preparar-se para obter pela força o que
legalmente lhe negavam. Firmou então,
em segredo, uma aliança com o conde Henrique, também interessado em arredar
Sancho do caminho das suas ambições, para ambos tomarem o trono de assalto, apenas
Afonso VI falecesse. Como prémio
da sua colaboração, o conde de Portugal receberia Toledo e uma das três partes
em que se dividiria o tesouro que se encontrava nessa capital. Este
tratado, que se negociou secretamente em 1106, fora inspirado por Hugo, abade
do mosteiro de Cluny, e jurado pelos condes aliados nas mãos de Dalmácio Gevet,
emissário do grande confidente do Papa Gregório VII.
Pelas principais cláusulas do pacto, os dois poderosos condes deviam
servir-se lealmente, respeitando a vida e a liberdade um do outro, e ajudar-se
contra quem os atacasse ou tentasse espoliá-los do território adquirido. Se
Raimundo não pudesse dar Toledo a Henrique, devido às dificuldades que a
conquista da capital oferecia, obrigava-se a ceder-lhe as terras da Galiza,
logo que fosse pacífico detentor de tudo». In Mário Domingues, D. Afonso Henriques, Evocação
Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1970.
Cortesia de Romano Torres/JDACT