sexta-feira, 10 de maio de 2013

O Prior do Crato Contra Filipe II. Evocação Histórica. Mário Domingues. «Os Governadores e Defensores do Reino, espécie de junta governativa de cinco homens em que o cardeal-rei Henrique depositara cega confiança, já se encontravam em sua maioria peitados em favor de Castela, pela acção corruptora de Cristóvão de Moura»

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A Situação de Portugal após a Morte do Cardeal-rei
«(…) Durante o seu breve reinado, os males causados pelo desastre de Alcácer Quibir agravaram-se precipitadamente. O cardeal-rei não revelou quaisquer qualidades de estadista. Preocupado com o problema da sucessão, em que se guiou mais pelos seus rancores pessoais do que pelos interesses superiores da grei, não entregou de mão beijada Portugal a Filipe II, como exageradarnente alguns escritores chegaram a afirmar; mas, tolhido por preconceitos de legitimidade e receios de invasão, legou aos Governadores e Defensores do Reino, que previamente nomeara, uma situação dúbia e confusa, que se transformou em poderosa arma em favor de Castela. A louca aventura do rei Sebastião no Norte de África, desfalcando o reino de inúmeros braços válidos, originou uma crise agrícola que em algumas províncias atingiu a angustiosa situacão da fome. Decerto no simpático intuito de incutir ânimo aos portugueses, a voz do Velho Portugal mentiu deliberadamente ao anunciar que havia armamento de sobejo para repelir uma agressão castelhana. Era falso.
O armamento existente mal chegava para dez mil soldados, e estes nem sequer tinham oficiais que os comandassem. Em suma, não havia exército. Pior ainda: não se dispunha de dinheiro, o nervo da guerra, para o improvisar. A fim de o obter, chegou-se a pensar em vender as jóias e outros bens mobiliários da Coroa. Os Governadores e Defensores do Reino, espécie de junta governativa de cinco homens em que o cardeal-rei Henrique depositara cega confiança, já se encontravam em sua maioria peitados em favor de Castela, pela acção corruptora de Cristóvão de Moura. Eram eles:
  • João Telo Meneses, o único intransigente adversário da dominação estrangeira;
  • Jorge Almeida, arcebispo de Lisboa, que tentava frouxamente observar uma atitude de independência;
  • e os restantes três, já francamente subornados, João Mascarenhas, Francisco Sá e Diogo Lopes Sousa.
O povo de então desconhecia em pormenor de que maneira torpe os seus Defensores se tinham vendido ao inimigo. Eles simulavam patriotisrno e coloriam de prudência e humano horror a uma guerra sangrenta os manejos com que favoreciam quem os comprara. A verdade, porém, é que, nada sabendo de concreto, o povo guiado pela sua intuição acurada pela iminência do perigo, suspeitava fortemrente dos Governadores. Contudo, não havia contra eles as provas convincentes e abundantes que o decurso do tempo viria a fornecer à história. Falecido o cardeal-monarca, entraram os Governadores no imediato exercício das suas funções, que eram restritas, de harmonia com a carta patente da sua nomeação, datada de 12 de Julho de 1579. Era-lhes vedado conceder títulos, comen'as ou tenças, cujo rendimento fosse além de cinquenta mil réis; em caso de serviços relevant'es, podiam passar alvarás de lembrança para o soberano que viesse a empunhar o ceptro; também lhes era vedado prover muitos cargos, com excepção de emergência de guerra ou alteração da ordem pública. Exercia a presidência cada um dos membros, sucessivamentre, durante uma semana.
No momento em que o cardeal Henriqtle faleceu, achavam-se reunidas as Cortes nas vilas de Santarém e Almeirim; naquela o braço popular, nesta a nobreza e o clero.Eram umas Cortes muito incomodativas, sobretudo porque o povo, cujas sessões decorriam no convento de São Francisco de Santarém, menos permeável à corrupção castelhana, se manifestara abertamente hostil a qualquer acordo com Filipe II, ao contrário do que já sucedera com a classe nobre que, mercê do trabalho de sapa realizado pelos embaixadores espanhóis, votara o acordo pela maioria de um voto!» In Mário Domingues, O Prior do Crato Contra Filipe II, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1965.

Cortesia de Romano Torres/JDACT