quarta-feira, 8 de maio de 2013

Breve Notícia sobre o Descobrimento da América. Teixeira de Aragão. «Martim de Bohemia nasceu entre os annos 1430 e 1436 na cidade de Nuremberg. Apezar de seguir a vida commercial, dedicou-se por vocação especial ao estudo da mathematica, da cosmographia, da astronomia e da náutica»

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NOTA: Conforme o original

A América Antecolombiana
«(…) As outras nações europeias não protestaram contra a partilha de Alexandre VI, como fez João II: reservaram o direito de acção contra o favor que o chefe da egreja havia feito ás duas coroas. O rei de Inglaterra, numa carta patente concedeu a negociantes seus súbditos, associados a portuguezes, auctorização para descobrirem terras e governal-as em seu nome. A França, não só estabeleceu feitorias em alguns pontos das costas do Brazil, d'onde foram expulsas depois de sanguinolentas luctas, mas permittiu o corso, como meio mais fácil e lucrativo, sahindo dos portos da Normandia, da Gasconha e da Bretanha grande numero de navios armados que causaram graves prejuízos á Hespanha e a Portugal, pelas prezas que fizeram nas embarcações e carregamentos de mercadorias, que vinham da Índia e da America.
Já el-rei Manuel I em 14 de Dezembro de 1508 passara regimento a João Serrão para ir, numa caravella bem artilhada, procurar pelos portos da Europa o corsário francez Mondragon, que roubara em Moçambique a nau de Job Queimado, que não havia podido acompanhar a armada de Tristão da Cunha. Não tendo sido encontrado, a 18 de Janeiro do anno seguinte partiu o heróico Duarte Pacheco Pereira em busca do mesmo corsário. No reinado de João III tomou a pirataria proporções assustadoras. Este monarcha com a maior prudência sollicitou com instancia do rei de França que retirasse a carta de marca, que havia concedido em 27 de Julho de 1530, a João Ango, rico armador dieppez, contra os navios portuguezes, até 220:000 ducados, a titulo de indemnisação e represália por se lhe haver aprisionado um navio nas aguas da barra de Lisboa, que conduzia mercadorias americanas, que se provou serem roubadas. A tripulação foi condemnada á morte pelos tribunaes como piratas.
Apezar de muitas amabilidades trocadas entre os dois soberanos, o de Portugal, vendo que o seu bom irmão Francisco I não cedia, teve de descer a offertas particulares e secretas, promettendo dez mil cruzados a Filippe Chabot, almirante de França (!) e 60:000 francos ao poderoso corsário. D. João II preparou a descoberta da Índia que se levou a effeito no reinado do seu successor, e promoveu os estudos da náutica, que em Portugal, n'aquella epocha, attingiram o maior desenvolvimento. Este progresso marítimo e as emprezas aventureiras, attrahiram ao reino grande numero de extrangeiros, uns no intuito de aprenderem com os pilotos portuguezes nas arriscadas viagens, partilhando da sua gloria e proventos, outros illustrados que offereciam a sua sciencia, e entre estes foi notável Martim Beheim ou Behaim, que os escriptores portuguezes chamam de Bohemia.
Martim de Bohemia nasceu entre os annos 1430 e 1436 na cidade de Nuremberg. Apezar de seguir a vida commercial, dedicou-se por vocação especial ao estudo da mathematica, da cosmographia, da astronomia e da náutica, tendo por mestres as maiores celebridades do seu tempo. Depois de fazer varias viagens entre Malines, Anvers e Vienna, veiu para Portugal, devendo a sua chegada ser anterior a Agosto de 1481, quando João II, seguindo o plano traçado por seu tio na escola de Sagres, tratava de aperfeiçoar a arte de navegar, e Martim de Bohemia como discípulo de Camille Jean Muller de Monte Regio não podia deixar de ler o melhor acolhimento. Martim Behaim com os dois hebreus, mestre Joseph e mestre Rodrigues, ambos physicos notáveis, trabalharam na invenção das taboas da declinação do sol, d'onde resultou poder fazer-se a navegação directa pelo oceano em vez de seguir as costas, o que facilitou muito as viagens e as descobertas.
Em 1484 embarcou como cosmographo, para fazer experiências no applicar o astrolábio á navegação, levando duas caravellas, capitaneadas por Diogo Cão, que seguiram ao longo do continente africano até ao rio Congo, onde foi collocado um padrão com as armas portuguezas, e em Abril ou Maio de 1486 estava de volta em Lisboa. Os novos processos e instrumentos marítimos deram optimos resultados nas experiências. N'este anno de 1480 casou com D. Joanna de Macedo, filha de Job Huerter, primeiro capitão donatário das ilhas do Fayal e Pico, e d'este matrimonio houve um filho. Em 1492 foi visitar a sua terra natal, onde concluiu o celebre globo terrestre, servindo-lhe de grande auxilio os trabalhos de Ptolomeu, Plínio, Strabão, Marco Polo e as derrotas de alguns pilotos portuguezes na Africa até ao Cabo da Boa Esperança. No globo já se acham marcadas as duas ilhas, Antilia ou das Sete Cidades e a de S. Romão. Na cidade de Nuremberg ainda se conservavam, além deste globo terrestre, diversos documentos e cartas originaes do sábio cosmographo.
Voltou a Lisboa em 1493 e seguiu logo com sua mulher para o Fayal, onde foi fixar a sua residência. Parece ter sido portador da carta de Jeronymo Monetário a João II, datada de 14 de Julho de 1493. Neste importante documento recommenda-se Martim de Behaim e indica-se até a competência d'elle para emprehender o descobrimento do oriente pelo occidente, insistindo Monetário na pretendida proximidade das costas orientaes da China ás occidentaes da Europa, como estava marcado no globo de Behaim. Esta theoria, conhecida desde 1474 pela carta de Toscanelli e regeitada nas propostas de Colombo, foi renovada com empenho para João II a empreender não só pelo sábio Münzer, mas tambem pelo imperador Maximiano. Colombo e Martim de Bohemia eram apóstolos da mesma idéa, mas o primeiro, mais insistente, conseguiu o auxilio dos reis de Hespanha e demandando as costas da Ásia descobriu a America». In A. C. Teixeira de Aragão, Breve Notícia sobre o Descobrimento da América, Mckew Parr Collection, Maggellan, BrandeisUniversity (Lo que nos importa), Tipografia da Academia Real das Ciências, Lisboa, 1892.

Cortesia de Academia das Ciências/JDACT