Introdução
«A figura do rei João II (1481-1495) não só tem sido, ao longo dos séculos, objecto de grande
curiosidade, como tem constituído matéria sobre a qual muitos autores escreveram
já, quer focando aspectos isolados da sua actuação, quer abordando, na sua
totalidade, o tempo do seu reinado. De entre os temas mais versados,
salienta-se o das conspirações, encaradas quase sempre com a convicção de que o
agir do monarca, justo ou injusto que tenha sido, traduziu a sua decisão
inabalável de enveredar pelo caminho da centralização do poder real. Talvez por
ter sido uma atitude surpreendentemente enérgica para a época e para este
reino, muitos autores seus contemporâneos e posteriores, não só portugueses
como estrangeiros, sobre ela emitiram as suas opiniões; salientemos Fernando
del Pulgar e André Bernaldez, cronistas dos Reis Católicos, Comminnes,
que em França registou as memórias de Luis XI, João Mariana, na sua História General de España e Jerónimo
Zurita, nos Anais de Aragão, que
não deixaram de mencionar este evento, mesmo se o fizeram para condenar os
actos praticados.
Um outro tema, talvez mais polémico e sobre o qual se não tem escrito menos,
é o da morte do rei. Envenenado? Esta a questão que se
tem posto e a palavra que tem dado título a alguns trabalhos e origem a vários
debates.
A acção do 13º rei de Portugal no plano da Expansão também não pode ser ignorada. Enumerar aqui os principais
autores que se têm debruçado sobre a de abordagem à vida e obra do monarca isso
tornou-se desde logo claro; não quisemos, portanto, reduzir a um capítulo,
necessariamente deficitário, a matéria que tão brilhantemente alguns autores
têm tratado. Foi, pois, opção enveredar por outros aspectos, eventualmente
menos conhecidos, mas não menos importantes, da vida de João II. Como tal, essa acção magnífica do sucessor de Afonso
V não será por nós tratada, limitando-nos a eventuais referências,
porventura indispensáveis à boa compreensão da nossa análise. Também o reinado
no seu todo tem sido, ao longo dos séculos, objecto de trabalho de personagens
interessados na acção do Príncipe Perfeíto.
Não falando nas crónicas:
NOTA: As duas crónicas completas de João II são as de Rui
de Pina, com duas edições, a lª pela Academia
das Ciências de Lisboa, em 1792
e a 2ª pela Atlântida Editora, Coimbra, 1950,
e a de Garcia de Resende, com 9 edições, a 1ª é de 1545, sob o título O Lyvro
das Obras de Garcia de Reesende, à qual para além do texto original, que
era apenas a vida e grãdissimas virtudes:
e bödades: magnanimo esforço excelëtes costumes e manhas e muy craros feytos
do rei, o editor juntou mais alguns relatos; a 2ª edição é publicada em Évora,
em 1554, desta vez incluindo-lhe a
Miscelânea; as 3ª e 4ª edições, não incluem a Miscelânea e são de 1596 e 1607, respectivamente. É feita em Lisboa e volta a incluir a Miscelânea,
em 1622, a 5ª edição, sob o título Chronica dos Valerosos, e insignes feitos
del rey Dom Ioam II, que servirá de base às posteriores edições. A 6ª edição
surge em Lisboa em 1752 e a 7ª em Coimbra,
em 1798. O século XIX, mergulhando as raízes da história pátria na
Idade Média relegaria para o obscurantismo o cronista e o rei; daí que a 8ª
edição surgisse apenas em 1902, com o
título, Chrónica de El-Rei D. João II,
contendo a interessantíssima Miscelânea
e com prefácio de Gabriel Pereira.
Finalmente surgiu em 1973, uma nova
edição, conforme a de 1789, sob o
título Crónica de D. João II e Miscelânea,
precedida duma completa introdução de Joaquim Veríssimo Serrão. A
crónica de Rui de Pina teria sido escrita eventualmente ao longo do
reinado de João II e terminada cerca de 1504.
Alberto Martins de Carvalho considera que a obra de Rui de Pina ficou no esquecimento e apenas foi
editada cerca de 300 anos mais tarde, por não lhe perdoarem os seus
contemporâneos que ele fosse um homem rico; assim, em manuscrito esquecido, ela
teria sido objecto de minimização por parte de Damião de Góis, João
de Barros e, posteriormente, Alexandre Herculano. Teria
igualmente servido de base ao pelágio
que dela faria Garcia de Resende entre 1530 e 1533. De modo diferente pensa
Joaquim Veríssimo Serrão que, na introdução à Crónica de Dom João II e Miscelânea edição conforme a de 1798, Lisboa, 1973, sem negar que o
manuscrito de Pina tenha servido de base a alguns relatos de Resende, demonstra
incontestavelmente, pelo confronto dos dois trabalhos, que o moço de
escrivaninha de D. João II teve o dom de
transformar uma tela numa vistosa galeria pictórica em que o monarca e o homem
são amplamente focados. Também nós fizemos um trabalho de confronto,
estabelecendo um quadro sinóptico entre os dois textos, para melhor podermos
ajuizar destas opiniões.
Acrescentaremos mesmo que Gargia de Resende
nos surge apresentando os episódios que com tanta sagacidade os jovens captam,
quer pela admiração que causam, quer pelo ridículo que manifestam.
Que são as biografias por excelência, mesmo quando se ficam por parte
da vida do monarca, como a de Damião de Góis, outros trabalhos há
que demonstram quanto a figura do último rei português do século XV (consideramos
João II o último rei do século XV apenas porque ele foi, de facto, o último
monarca que exerceu um reinado completo neste século, já que Manuel I começou a
reinar em 1495, mas terminou em 1521) marcou os seus contemporâneos
e influenciou as gerações mais próximas. A testemunhá-lo recordemos Cristóvão
Rodrigues Acenheiro que escreveu em tempo de João III e tanta vivacidade
deu à acção de João II. A ideia de
rei santo e virtuoso que tão brilhantemente foi abordada, num passado recente,
por Albin Beau deixou-a ele traduzida nas últimas frases da crónica
quando escreveu afirma-se que Deos fás
por elle muitos milagres; e claro deve ser, pois com Deos teve tam bom fim.
Igualmente Agostinho Manuel Vasconcelos, na sua Vida y acciones del Rey Don Iuan el segundo, Decimotercio de Portugal
manifestou a sua grande admiração pela figura do Rei cujos actos descreveu, agigantando-o
no confronto com os reis católicos». In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso
Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa
Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.
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