O Período dos Filipes. O Governo dos Filipes
«De 1580 a 1640, foi
Portugal governado pelos reis de Espanha, dentro do princípio da monarquia dualista,
que reconhecia a existência de duas coroas nas mãos do mesmo soberano. É hoje
ponto assente que o período dos Filipes não pode mais encarar-se em termos de integração
luso-espanhola, pois o reino mantinha os seus foros de nação, de acordo com as
promessas feitas por Filipe II. Tendo recebido o trono pelas vias do
direito, da força militar e da corrupção, o novo monarca quis sossegar
o ânimo dos Portugueses, mostrando que não vinha a Portugal como invasor, mas
como legítimo herdeiro da coroa que pertencera a seu avô, o rei Manuel I. Para
mais, os outros dois candidatos estavam fora de jogo: D. Catarina, duquesa de
Bragança, porque se curvara à realeza vizinha, e António, prior do Crato, porque
fora derrotado, na batalha de Alcântara, pelo bem organizado exército do duque
de Alba.
Nos fins de 1580 estavam
vencidos os últimos focos da resistência nacional. O prior do Crato vivia homiziado no País, recolhido em mosteiros e
por adeptos fiéis, sem força para se opor ao partido castelhano, Filipe II
atravessou então a fronteira de Badajoz, a caminho de Elvas. Hesitando depois
entre Lisboa e Tomar como local da sua aclamação, acabou, em Março de 1581, por seguir a caminho da vila do Nabão. Ali, em 16 de Abril, foi
jurado rei de Portugal pelos três estados
do Reino, numa cerimónia que teve por cenário o Convento da Ordem de
Cristo, como que a vincular o novo monarca à antiga tradição portuguesa. Surgia
assim um novo período da nossa história, com o governo dos reis espanhóis que
haveria de durar até 1640. Perante
as mais altas figuras da Nação, com o alto clero, a nobreza e os procuradores
das cidades e vilas, Filipe II prometeu guardar os privilégios, mercês e graças
dos habitantes do Reino. Jurou que as cortes se fariam sempre em Portugal e que
o príncipe herdeiro Diogo aqui seria educado. Declarou que nos ofícios do governo
eram apenas providos os naturais e que se continuavam a observar as leis e usos
próprios do País. Satisfez outros pedidos de interesse geral, como não levantar
mais tributos, abolir o imposto da sisa, manter os cunhos e armas na moeda
corrente, acabar com as guarnições castelhanas e facilitar a liberdade de
comércio entre os dois reinos. O novo monarca era-o com duas coroas, tendo cada
uma a sua estrutura de governo. As promessas de Filipe II foram bem acolhidas
pelas Cortes de Tomar, na esperança de
que Portugal encontrasse, enfim, a acalmia que o desastre de Alcácer Quibir e as horas amargas da
perda da independência, com o seu cortejo de lutos e privações, tinham feito
sofrer aos Portugueses.
Mas não se apagou o facho da autonomia em muitos que haviam abraçado a
causa do rei António I (JDACT), prior do
Crato. Desse grupo inflamado pelo sentimento nacional faziam parte alguns
membros da nobreza, homens dos mesteres e dos ofícios, muitos sacerdotes, membros
das ordens religiosas e, na sua quase totalidade, o povo humilde das cidades,
vilas e campos. Buscou António I (JDACT) o
apoio de D. Isabel I de Inglaterra e, depois, de Henrique III de França, numa
série de tentativas militares para recuperar o trono perdido. Nas ilhas açorianas do grupo central,
com destaque para a Terceira, concentrou-se o principal foco de resistência a
Filipe II, graças à acção do corregedor Ciprião de Figueiredo e Vasconcelos,
que transformou aquela ilha, durante três anos, numa fortaleza inexpugnável. Em
25 de Julho de 1581, a armada castelhana
de Pedro de Váldez conheceu ali uma estrondosa derrota na baía da Salga. Mas, no ano seguinte, a
frota luso-francesa do comando do general Strozzi, que seguia em socorro
da Terceira, viu-se batida em Vila Franca do Campo pela armada do marquês
de Santa Cruz.
Tamanho desaire levou ao maior isolamento da ilha, que foi obrigada, em
Maio de 1583, a render-se ao mesmo
almirante. As ilhas de São Jorge, Faial,
Graciosa e Pico acabaram também por submeter-se. E o governador Manuel
da Silva Coutinho, assim como dezenas de terceirenses, pagaram com a vida a
adesão nacional à causa de António I (JDACT). Em
1587, quis Filipe II apoderar-se da
Inglaterra, para acabar com a ameaça de D. Isabel I que buscava uma hegemonia
política para a Inglaterra. O rei de Espanha pretendia também exterminar o
anglicanismo e pôr fim aos repetidos ataques de Drake e Hawkins à navegação
das coroas ibéricas. A economia ultramarina de Portugal e da Espanha sofria
graves prejuízos com a repetida acção dos corsários britânicos. Assim se reuniu
a mais poderosa esquadra dos tempos modernos, chamada de Invencível porque se antevia a sua acção de vitoriosa. Sob o
comando do duque de Medina-Sidónia, formavam-na 130 navios e mais de 30 mil
homens, que em Maio de 1588 saíram
da foz do Tejo com destino ao canal da Mancha.
A contribuição portuguesa foi de 12 navios e 5 mil soldados e
marinheiros, além de víveres e de material de guerra, o que se traduziu num
pesado encargo para o erário. Muito inferior quanto ao número de embarcações e
de homens de mar, a esquadra inglesa de lorde Effingham aguardou na
primeira semana de Agosto os ataques da frota inimiga. Graças a uma hábil estratégia,
a que se juntou a acção favorável dos ventos, puderam os defensores da ilha
derrotar estrondosamente a Invencível
Armada. Perdeu esta a maior parte dos seus galeões, com um sem-número
de mortos e prisioneiros. O sonho de Filipe II em conquistar a Inglaterra
transformou-se assim num desastre naval que muito abalou o prestígio da
Espanha. Para o nosso país teve como consequência haver perdido a maior parte
dos barcos que empenhara na fatal empresa, além, de concitar o ódio britânico
em novos ataques contra as armadas da Índia e do Brasil». In Joaquim Veríssimo Serrão, O Tempo
dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Edições Colibri, Estudos
Históricos, Lisboa, 1994, ISBN 972-8047-58-4.
Cortesia de Colibri/JDACT