Tentativas de integração
«(…) O levantamento de impostos e a junção da crise provocada pela peste
de 1599 e dos maus anos agrícolas
aumentaram a hostilidade da população contra a Espanha. No ano de 1601 estavam em atraso os pagamentos da
Casa Real, havendo falta de numerário para activar a vida económica, mormente o
comércio marítimo. Para obstar às desordens ocorridas em várias terras, entre
as guarnições espanholas e os habitantes, o vice-rei fazia promessas de auxílio
que não obtinham resposta na corte que, por esse tempo, se instalara em Valladolide.
Acentuava-se ao longo da nossa costa a actuação dos corsários, sem que viesse
pronta ajuda de Filipe III. O perdão geral, que se concedeu em 1601 aos cristãos-novos, descontentou a
população, uma vez que se traduzia na oferta de 200 mil cruzados à coroa pelos
judeus de Lisboa. A acalmia foi ditada pelo interesse e não pela justiça, como escreveu
Rebelo da Silva, pelo que não durou muito. A partir de 1604 aumentou como nunca o êxodo dos
cristãos-novos para a França, Inglaterra e a Holanda.
Substituído nos fins de 1603,
o vice-rei voltou a Portugal cinco anos depois, no que foi tido como a derradeira
consagração da sua vida ao serviço da coroa espanhola. Mas também essa missão
não foi coroada de êxito, devido à conjuntura interna e à ultramarina que se mostravam
contrárias à política de Filipe III. Em 1612
foi o marquês de Castelo Rodrigo chamado de vez a Madrid, quando fracassou o segundo
projecto do duque de Lerma para a anexação de Portugal. Trinta anos volvidos
sobre a aclamação do primeiro Filipe, não deixava dúvida aos Portugueses que a
união com a Espanha se ia saldando num fracasso cada vez mais nítido. Desde que
subiu ao trono, foi desejo de Filipe III visitar Portugal, mas ficando sem
efeito vários projectos nesse sentido. Consultadas para ajudar nos encargos da
deslocação, as câmaras municipais haviam mostrado, em 1609, a situação mesquinha
e deplorável em que se achava o País. Se muitas não punham em dúvida
que a viagem era uma prova do interesse régio por Portugal, não deixavam todas
de reconhecer a pobreza do povo
e a situação financeira grave. No ano seguinte, quando da romagem do monarca a
Compostela, também não se concretizou a sua vinda. Indagam-se os historiadores
se não era intenção de Filipe III receber o dinheiro das nossas cidades e
vilas, para depois invocar pretextos para o adiamento da viagem.
Foi assim que a visita apenas se efectuou em 1619, com o fim de reunir cortes em Lisboa e de nesse acto se jurar
o príncipe herdeiro. O cronista oficial, João Baptista Lavanha, que
traçou o itinerário da viagem, definiu a entrada na capital, no dia de São
Pedro, como o espectáculo mais solene a que Lisboa já assistira. O monarca
desembarcou no Terreiro do Paço, estando as ruas da Baixa decoradas com arcos
triunfais em louvor dos heróis portugueses, das nações estrangeiras, dos
mercadores e dos ofícios mecânicos. Houve nobres que se arruinaram em despesas
de fausto, enquanto milhares de pessoas vieram das suas terras para assistir ao
grandioso espectáculo. Mas para instalar o séquito de Filipe III foi preciso
desalojar muitos habitantes das suas casas, contra os antigos privilégios
camarários que se opunham à aposentadoria. Isso deu origem a muitos conflitos
que o Senado corporizou em protesto apresentado ao monarca. Apesar do seu
carácter festivo, a visita régia aumentou o sentimento autonomista da
população.
Com a morte de Filipe III, em 31 de Março de 1621, abriu-se o último capítulo do domínio filipino em Portugal. O
novo rei chamou para o Governo Gaspar Filipe Guzman, conde-duque de
Olivares, acérrimo defensor da subalternização das províncias de Espanha, incluindo
nelas o reino de Portugal. Tal facto levou a nomear governadores em
substituição do conde de Salinas, feito marquês de Alenquer, que cessara as
funções em 1621, num ambiente de
odio geral. Olivares tinha uma paixão ilimitada pelo mando, como dele escreveu Gregório
Maraflon, e serviu-se da fraqueza de Filipe IV para impor a sua vontade. A
Espanha defrontava então o peso militar e ultramarino da França de Richelieu,
que, aproveitando as derrotas espanholas na Guerra dos Trinta Anos,
ambicionava a hegemonia europeia. Outro adversário de igual poderio eram os
Estados Gerais, onde se fundara em 1602
a Companhia Holandesa das Índias Orientais, para competir no comércio da Índia,
e em 1621 a Companhia Holandesa das
Índias Ocidentais, para incidir no Brasil a ambição colonial da Holanda. O
Governo de Olivares viu-se assim a braços com sérias dificuldades que tiveram imediato
reflexo na vida ultramarina portuguesa.
O Oriente Português: a perda de Ormuz e Malaca. O Brasil
O Estado Português da Índia sofreu no primeiro quartel do século XVII o
constante assédio dos Holandeses. Chegaram depois os Ingleses, que pretendiam
apoderar-se das linhas comerciais e erguer as suas feitorias. Não havia poder
bastante para impedir tão poderosa concorrência, uma vez que os dois inimigos
atacavam as fortalezas e as alfândegas, obtendo grandes benefícios da sua
política de guerra. A cidade de Goa foi sujeita a cercos constantes, que os
vice-reis tiveram dificuldade em suster. Mais violenta foi, porém, a ameaça da
Inglaterra sobre Ormuz, chave do golfo Pérsico e o elo comercial por excelência
entre o Médio Oriente e a região do Malabar». In Joaquim Veríssimo Serrão, O
Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Edições Colibri, Estudos
Históricos, Lisboa, 1994, ISBN 972-8047-58-4.
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