Inocêncio II e o juramento de vassalagem de Afonso Henriques
«(…) Porém João Peculiar não ficou muito tempo nesta
situação; quando o arcebispo Paio, de Braga morreu, foi nomeado seu
sucessor no Outono de 1138. Lá se
conservou à frente do clero português durante 37 anos, entrando assim no centro das nossas investigações. Primeiro
que tudo, dirigiu-se pela segunda vez a Roma onde foi buscar o pálio. O seu
privilégio é datado de 26 de Abril de 1139;
evidentemente tomara antes parte no segundo concílio
de Latrão, 3 de Abril de 1139,
(arbitrária é contudo a afirmação
feita pelo cronista moderno Luís dos Anjos, segundo a qual João Peculiar teria
contraído amizade com Bernardo de Clarval e encetado correspondência com ele)
para o qual também fora convidado o clero português. Este privilégio deixa-nos
novamente verificar um progresso, embora modesto, na posição de Braga em face
da Cúria: se no diploma prévio de Calisto II depois da enumeração das
sufragâneas se fazia referência aos privilégios
de Santiago e do Porto através da cláusula desagradável salvis
tamen in omnibus Romane auctoritatis privilegiis, desaparecia agora essa
limitação. Pode-se adivinhar mais uma, vez, como João Peculiar conseguiu
esta prova de favor: empreendeu a viagem não só na companhia dum legado de Santa Cruz, mas levou
ainda à Santa Sé mais um convento tributário, o de S. Salvador de Grijó,
e que ele pouco antes concedera privilégios.
Se a influência do papa crescia assim em Portugal através da
actividade de João Peculiar, ela aumentava ainda pelo mesmo tempo de
outra forma. Naqueles anos avançava a ordem cisterciense até Portugal. Monges
de Clarval fundavam cerca de 1139
o convento de S. João de Tarouca,
do qual partiu a sua avançada vitoriosa através de grande parte do país. Também
este convento conseguiu privilégio de Inocêncio II; infelizmente tal
privilégio não se conservou. É de notar a este respeito que o arcebispo João,
que se mantinha ao lado dos cónegos agostinhos e pouco queria saber então dos
monges beneditinos e cistercienses, desta vez não serviu de intermediário; também
sem a sua participação começaram a criar-se novas
ligações entre Roma e Portugal, já então. Seguramente, porém, havia Afonso
Henriques dado a sua aquiescência. Ele não desconhecia que precisamente
os cistercienses, pela sua actividade colonizadora, seriam de grande utilidade
para Portugal. Nas doações a eles feitas, punha claramente por vezes a condição
de a terra inculta dever ser arada, e protegia-os tanto mais, quanto ele assim,
ao mesmo tempo, agradava ao papa.
João Peculiar dirigia a sua principal atenção para a
conservação do episcopado. O ponto mais difícil continuou sendo o bispado de Coimbra. Para lá se dirigiu por isso o
arcebispo quase logo que recebeu o pálio, para exercer o seu poder
jurisdicional.
NOTA: Inquirição de testemunhas em 1182, no Arquivo Distrital de Braga, Gaveta dos Arcebispos n.º 4 e
7: Cum archiepiscopus Johannes redierit
Roma accepto pallio, venit Colimbriam, et episcopus Bernardus recepit eum in
processione in ecclesia sancte Marie et dimisit ed domum suam et ivit ad aliam
et procuravit eum, donec rex rediret de terra Sarracenorum, quam intraverat.
As últimas palavras referem-se à expedição de Afonso Henriques no Verão
de 1139, expedição do que resultou a
célebre batalha de Ourique e
podem utilizar-se como fonte para a debatidíssima questão sobre o local de Ourique.
Então, ou alguns anos mais tarde, chegou-se a violentos
conflitos com o bispo Bernardo. João Peculiar excedeu-se
manifestamente no uso do seu poder de metropolitano, invadindo os direitos do
bispo de Coimbra». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História
Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de
Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT