terça-feira, 14 de maio de 2013

‘Clube dos Pensadores' e todos os 'Clubes dos Poetas Vivos'. Intervenção Cívica. Joaquim Jorge. «A indiferença leva à negligência, à ignorância ao abandono e à inacção. Devemos evitar a todo o custo nada fazer, não pensar e não sentir. Não nos devemos calar perante as atrocidades, as injustiças de algumas políticas»

 
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A Indiferença
«A indiferença, o deixar-se levar, nada fazer para alterar o rumo dos acontecimentos, é uma atitude grave de que enferma a sociedade portuguesa. Mas também deixar avançar uma política, uma posição ou determinação, sem a questionar ou meditar sobre as suas consequências, é apanágio dos cidadãos portugueses. Um sintoma inquestionável que a nossa sociedade não vai bem, tendo perdido o sentido comum do que se deve fazer e do que está correcto. O cretinismo impõe-se lenta e silenciosamente e consideram-se normais, naturais e lógicas determinado tipo de atitudes e posturas que têm relação com a dignidade, a responsabilidade, a memória, honrar a palavra e ter um comportamento ético. Chega-se a este estado de coisas e aceita-se tudo e mais alguma coisa devido à indiferença, ao laissez faire, laissez passer, não dá para te incomodares. A tudo isto mais a falta de entusiasmo, diria até de curiosidade e sensibilidade passa por sermos negligentes e até não termos preocupações de ordem moral. Os portugueses vivem num estado mental em que não existe dor nem prazer, nem mistura de uma outra. O poder de decidir independentemente dos motivos.
Na política é um exemplo atroz da indiferença que podemos observar em determinadas posições políticas em que excluem o exemplo e a prática do seu léxico. É igualmente preocupante que os cidadãos, apesar de acreditarem na democracia como o melhor dos regimes, se distanciem e se alheiem da gestão da vida pública. A moralidade e o sentido de justiça estão gravemente diminuídos, enquanto for possível exibir padrões de vida, luxos e até, reprováveis desperdícios sem se saber de onde vem o dinheiro. Temos de continuar a afirmar a abertura da sociedade em todos os domínios, opondo às velhas hierarquias e aos velhos privilégios o mérito, o talento e a qualidade, assegurando as boas condições para a sua expressão.
A indiferença leva à negligência, à ignorância ao abandono e à inacção. Devemos evitar a todo o custo nada fazer, não pensar e não sentir. Não nos devemos calar perante as atrocidades, as injustiças de algumas políticas. Chamar à atenção para a realidade existente, exigindo atitudes e modos de proceder consentâneas com valores, a sua responsabilização com compaixão e consciência. Eu sei que falar de ética seja um pouco como a cultura: quanto menos se tem mais se faz alarde dela, e falar muito pode ser suspeito. Por isso, não digo mais nada. Aprendi que, para além da morte e dos impostos, existe, pelo menos, um outro facto absolutamente incontornável. Não desistir perante a adversidade. É necessário ser perseverante e trabalhar com afinco uma ideia, as ideias ou um ideal.

É importante controlar as promessas feitas pelos políticos em campanhas eleitorais e denunciar as não cumpridas. Os políticos são bons a mandar aplicar regras ou exigir o cumprimento de deveres, mas ser aplicante não é com eles.

Existência de observatórios que tenham poder para verificação da prática governamental com capacidade de questionarem e reprovarem o que se faz mal assim como poderem ser consultados sempre que se tomem decisões importantes que tenham implicações na vida das pessoas é fundamental. Os cidadãos só são consultados naquilo a que eu chamo os picos de cidadania, ir votar de quatro em quatro anos. Convenhamos que é muito pouco! Uma das maiores malevolências que existe sobre a política é que a maioria dos seus actores os políticos são uns mentirosos, outra é acharem-se individualidades tão altas que acham que tudo lhes passa por baixo. Imaginam que têm direito a certos caprichos e de fazer tudo o que querem, sem que ninguém tenha nada a dizer. Há políticos que antes de serem eleitos têm intenções perfeitamente puras. Mas, uma vez em funções, tornam-se uns convencidos e esquecem-se completamente do objectivo que se tinham fixado. Se me perguntarem se tenho esperança que isto mude? Eu respondo com uma metáfora:
  • ter tenho esperança, mas é uma esperança negativa.
Não me esqueço do que dizia José Saramago quando lhe perguntavam se era um pessimista? Respondia: não sou um pessimista, mas um optimista informado». In Joaquim Jorge, Clube dos Pensadores, Intervenção Cívica, Papiro Editora, Porto, 2009, ISBN 978-989-636-368-0.

Cortesia de Papiro Editora/JDACT