A Indiferença
«A indiferença, o deixar-se levar, nada fazer para alterar o rumo dos
acontecimentos, é uma atitude grave de que enferma a sociedade portuguesa. Mas
também deixar avançar uma política, uma posição ou determinação, sem a
questionar ou meditar sobre as suas consequências, é apanágio dos cidadãos
portugueses. Um sintoma inquestionável que a nossa sociedade não vai bem, tendo
perdido o sentido comum do que se deve fazer e do que está correcto. O cretinismo
impõe-se lenta e silenciosamente e consideram-se normais, naturais e lógicas determinado tipo de atitudes e posturas que têm relação com
a dignidade, a responsabilidade, a memória, honrar a palavra e ter um
comportamento ético. Chega-se a este
estado de coisas e aceita-se tudo e mais alguma coisa devido à indiferença,
ao laissez faire, laissez passer, não dá para te incomodares.
A tudo isto mais a falta de entusiasmo, diria até de curiosidade e
sensibilidade passa por sermos negligentes e até não termos preocupações de ordem moral.
Os portugueses vivem num estado mental em que não existe dor nem prazer, nem
mistura de uma outra. O poder de
decidir independentemente dos motivos.
Na política é um exemplo atroz da
indiferença que podemos observar em determinadas posições políticas em que
excluem o exemplo e a prática do seu léxico. É igualmente preocupante que
os cidadãos, apesar de acreditarem na democracia como o melhor dos regimes, se distanciem e se alheiem da gestão da
vida pública. A moralidade e o
sentido de justiça estão gravemente diminuídos, enquanto for possível
exibir padrões de vida, luxos e até, reprováveis desperdícios sem se saber de
onde vem o dinheiro. Temos de continuar a afirmar a abertura da sociedade em
todos os domínios, opondo às velhas hierarquias e aos velhos privilégios o
mérito, o talento e a qualidade, assegurando as boas condições para a sua
expressão.
A indiferença leva à negligência, à ignorância ao abandono e à inacção.
Devemos evitar a todo o custo nada fazer, não pensar e não sentir. Não nos devemos calar perante as
atrocidades, as injustiças de algumas políticas. Chamar à atenção para a
realidade existente, exigindo atitudes e modos de proceder consentâneas com
valores, a sua responsabilização com compaixão e consciência. Eu sei que falar
de ética seja um pouco como a cultura: quanto menos se tem mais se faz alarde
dela, e falar muito pode ser suspeito. Por isso, não digo mais nada. Aprendi
que, para além da morte e dos impostos, existe, pelo menos, um outro facto
absolutamente incontornável. Não desistir perante a adversidade. É necessário
ser perseverante e trabalhar com afinco uma ideia, as ideias ou um ideal.
É importante controlar as
promessas feitas pelos políticos em campanhas eleitorais e denunciar as não
cumpridas. Os políticos são bons a mandar aplicar regras ou exigir o
cumprimento de deveres, mas ser aplicante não é com eles.
Existência de observatórios que tenham poder para verificação da prática
governamental com capacidade de questionarem e reprovarem o que se faz mal assim
como poderem ser consultados sempre que se tomem decisões importantes que
tenham implicações na vida das pessoas é fundamental. Os cidadãos só são consultados
naquilo a que eu chamo os picos de cidadania, ir votar de
quatro em quatro anos. Convenhamos que é
muito pouco! Uma das maiores malevolências que existe sobre a política é
que a maioria dos seus actores os políticos
são uns mentirosos, outra é
acharem-se individualidades tão altas que acham que tudo lhes passa por baixo. Imaginam
que têm direito a certos caprichos e de fazer tudo o que querem, sem que
ninguém tenha nada a dizer. Há políticos que antes de serem eleitos têm
intenções perfeitamente puras. Mas, uma
vez em funções, tornam-se uns convencidos e esquecem-se completamente do
objectivo que se tinham fixado. Se me perguntarem se tenho esperança que
isto mude? Eu respondo com uma metáfora:
- ter tenho esperança, mas é uma esperança negativa.
Não me esqueço do que dizia José Saramago quando lhe perguntavam se era um pessimista?
Respondia: não sou um pessimista, mas
um optimista informado». In Joaquim Jorge, Clube dos
Pensadores, Intervenção Cívica, Papiro Editora, Porto, 2009, ISBN
978-989-636-368-0.
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