As intervenções francesas no espaço ibérico ao longo do século XI
«As expedições militares francesas em território peninsular podem ser agrupadas
em dois grandes momentos: uma fase inicial que se situa na primeira metade do
século XI, entre 1002 e 1033; e um segundo período, que se
inaugura com a grande expedição contra Barbastro, em 1063-1064, e se
prolonga pela segunda metade do século XI e a primeira parte da centúria seguinte.
Em 1002, quando al-Mansur
lançava as suas derradeiras campanhas militares contra o Norte cristão, o rei
de Navarra, Sancho Garcês III, o
Grande, 990-1035, solicitou o
auxílio dos Gascões. Em resposta ao pedido, o duque Guilherme II Sanches
da Gasconha reuniu um exército e atravessou os Pirenéus em seu socorro. Com
esta expedição inaugurou-se um pequeno conjunto de incursões militares francesas na Península Ibérica que,
apesar de pouco numerosas, tiveram uma enorme importância para o futuro
político e militar da Hispânia. Depois da expedição de 1002 as relações entre a Coroa de Navarra e a casa ducal francesa
estreitaram-se significativamente. Sancho, o
Grande, deslocou-se a Saintonge para as festas que, na primavera de 1014, comemoraram a descoberta das relíquias de São João Baptista, ocorrida quatro
anos antes, em 1010. Por seu turno,
o filho do duque, Sancho Guilherme, tornou-se presença regular na corte de
Navarra na década de 1020-1030.
A partir de então, o auxílio militar gascão junto de Sancho Garcês
III tornou-se igualmente regular, estendendo-se mesmo a outras zonas
peninsulares. Com efeito, é neste contexto que se deve enquadrar a vinda de Mónio
Viegas, o Gasco, para o Ocidente
peninsular, onde se fixou no Douro litoral que, desde as incursões de al-Mansur,
estava de novo convertido em espaço de fronteira. Como a sua alcunha indica e
as fontes genealógicas confirmam, Mónio Viegas era oriundo da Gasconha.
Encontra-se documentado entre nós a partir de 1014 e esteve na origem da linhagem dos Gascos. Esta família fixou-se no território de Anégia
(Eja, concelho de Penafiel) e, tal como se refere no Livro de linhagens do conde D.
Pedro, lidarom i com mui gram peça
de Mouros per muitas vezes. Mónio Viegas terá falecido em 1022, juntamente com dois filhos, Gomes
(ou Garcia?) Moniz e Egas
Moniz, a julgar por uma inscrição do século XIII que se conserva no mosteiro de Vila Boa do Bispo,
provavelmente durante algum recontro militar. Os seus descendentes seriam
depois conhecidos como senhores de Ribadouro.
Ao longo da primeira metade do século XI as intervenções francesas no espaço ibérico, pelo menos
as que se encontram claramente individualizadas, foram pouco numerosas.
Salientemos, no entanto, a vinda do normando Roger de Toeni à Catalunha,
na sequência das derrotas catalãs na Andaluzia e da morte do conde de Barcelona
Raimundo Borel I, em 25 de Fevereiro de 1018. Raimundo Borel I, 992-1018,
era casado com D. Ermesenda de Carcassonne, que, depois de enviuvar, foi
investida como regente durante a menoridade de seu filho e herdeiro, Berenguer
Raimundo I, o Curvo, 1013-1035. Embora a data exacta desta
segunda expedição militar franca em espaço ibérico não seja conhecida, deve ter
ocorrido entre 1018 e 1024. Com efeito, os registos
analísticos referem que o pedido de auxílio terá partido da rainha-viúva, cuja
regência se prolongou até 1024. Roger
de Toeni ou Roger d'Espagne, como ficou conhecido a partir de então,
acabaria por casar com uma filha de Raimundo Borel I e de D. Ermesenda,
Adelaide de Barcelona, tendo permanecido junto da corte condal até ao
final da regência de sua sogra, regressando depois a França, onde a sua
presença está de novo documentada a partir de 1027.
A derradeira expedição militar vinda de além-Pirenéus na primeira metade
do século XI é referida por Raoul Glaber e deve ter ocorrido por volta
de 1032 ou 1033. Segundo este monge-cronista, um grupo de cavaleiros franceses
teria atacado o reino das Baleares, derrotando o rei da taifa de Denia e das
Baleares, Muyahid, tendo enviado ao abade Odilon de Cluny, 994-1049, uma parte do importante saque
obtido durante a expedição». In Luís Amaral, Mário Barroca, A Condessa-rainha,
Teresa, coordenação de Ana Maria Rodrigues e Outras, Círculo de Leitores, 2012,
ISBN 978-972-42-4702-1.
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