sexta-feira, 31 de maio de 2013

Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal. D. João II. Manuela Mendonça. «A acção do 13º rei de Portugal no plano da Expansão também não pode ser ignorada. Um outro tema, talvez mais polémico e sobre o qual se não tem escrito menos, é o da morte do rei. “Envenenado?” Esta a questão…»

Livro dos Copos
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Introdução
«A figura do rei João II (1481-1495) não só tem sido, ao longo dos séculos, objecto de grande curiosidade, como tem constituído matéria sobre a qual muitos autores escreveram já, quer focando aspectos isolados da sua actuação, quer abordando, na sua totalidade, o tempo do seu reinado. De entre os temas mais versados, salienta-se o das conspirações, encaradas quase sempre com a convicção de que o agir do monarca, justo ou injusto que tenha sido, traduziu a sua decisão inabalável de enveredar pelo caminho da centralização do poder real. Talvez por ter sido uma atitude surpreendentemente enérgica para a época e para este reino, muitos autores seus contemporâneos e posteriores, não só portugueses como estrangeiros, sobre ela emitiram as suas opiniões; salientemos Fernando del Pulgar e André Bernaldez, cronistas dos Reis Católicos, Comminnes, que em França registou as memórias de Luis XI, João Mariana, na sua História General de España e Jerónimo Zurita, nos Anais de Aragão, que não deixaram de mencionar este evento, mesmo se o fizeram para condenar os actos praticados.
Um outro tema, talvez mais polémico e sobre o qual se não tem escrito menos, é o da morte do rei. Envenenado? Esta a questão que se tem posto e a palavra que tem dado título a alguns trabalhos e origem a vários debates.
A acção do 13º rei de Portugal no plano da Expansão também não pode ser ignorada. Enumerar aqui os principais autores que se têm debruçado sobre a de abordagem à vida e obra do monarca isso tornou-se desde logo claro; não quisemos, portanto, reduzir a um capítulo, necessariamente deficitário, a matéria que tão brilhantemente alguns autores têm tratado. Foi, pois, opção enveredar por outros aspectos, eventualmente menos conhecidos, mas não menos importantes, da vida de João II. Como tal, essa acção magnífica do sucessor de Afonso V não será por nós tratada, limitando-nos a eventuais referências, porventura indispensáveis à boa compreensão da nossa análise. Também o reinado no seu todo tem sido, ao longo dos séculos, objecto de trabalho de personagens interessados na acção do Príncipe Perfeíto.
Não falando nas crónicas:

NOTA: As duas crónicas completas de João II são as de Rui de Pina, com duas edições, a lª pela Academia das Ciências de Lisboa, em 1792 e a 2ª pela Atlântida Editora, Coimbra, 1950, e a de Garcia de Resende, com 9 edições, a 1ª é de 1545, sob o título O Lyvro das Obras de Garcia de Reesende, à qual para além do texto original, que era apenas a vida e grãdissimas virtudes: e bödades: magnanimo esforço excelëtes costumes e manhas e muy craros feytos do rei, o editor juntou mais alguns relatos; a 2ª edição é publicada em Évora, em 1554, desta vez incluindo-lhe a Miscelânea; as 3ª e 4ª edições, não incluem a Miscelânea e são de 1596 e 1607, respectivamente. É feita em Lisboa e volta a incluir a Miscelânea, em 1622, a 5ª edição, sob o título Chronica dos Valerosos, e insignes feitos del rey Dom Ioam II, que servirá de base às posteriores edições. A 6ª edição surge em Lisboa em 1752 e a 7ª em Coimbra, em 1798. O século XIX, mergulhando as raízes da história pátria na Idade Média relegaria para o obscurantismo o cronista e o rei; daí que a 8ª edição surgisse apenas em 1902, com o título, Chrónica de El-Rei D. João II, contendo a interessantíssima Miscelânea
e com prefácio de Gabriel Pereira. Finalmente surgiu em 1973, uma nova edição, conforme a de 1789, sob o título Crónica de D. João II e Miscelânea, precedida duma completa introdução de Joaquim Veríssimo Serrão. A crónica de Rui de Pina teria sido escrita eventualmente ao longo do reinado de João II e terminada cerca de 1504. Alberto Martins de Carvalho considera que a obra de Rui  de Pina ficou no esquecimento e apenas foi editada cerca de 300 anos mais tarde, por não lhe perdoarem os seus contemporâneos que ele fosse um homem rico; assim, em manuscrito esquecido, ela teria sido objecto de minimização por parte de Damião de Góis, João de Barros e, posteriormente, Alexandre Herculano. Teria igualmente servido de base ao pelágio que dela faria Garcia de Resende entre 1530 e 1533. De modo diferente pensa Joaquim Veríssimo Serrão que, na introdução à Crónica de Dom João II e Miscelânea edição conforme a de 1798, Lisboa, 1973, sem negar que o manuscrito de Pina tenha servido de base a alguns relatos de Resende, demonstra incontestavelmente, pelo confronto dos dois trabalhos, que o moço de escrivaninha de D. João II teve o dom de transformar uma tela numa vistosa galeria pictórica em que o monarca e o homem são amplamente focados. Também nós fizemos um trabalho de confronto, estabelecendo um quadro sinóptico entre os dois textos, para melhor podermos ajuizar destas opiniões.
Acrescentaremos mesmo que Gargia de Resende nos surge apresentando os episódios que com tanta sagacidade os jovens captam, quer pela admiração que causam, quer pelo ridículo que manifestam.

Que são as biografias por excelência, mesmo quando se ficam por parte da vida do monarca, como a de Damião de Góis, outros trabalhos há que demonstram quanto a figura do último rei português do século XV (consideramos João II o último rei do século XV apenas porque ele foi, de facto, o último monarca que exerceu um reinado completo neste século, já que Manuel I começou a reinar em 1495, mas terminou em 1521) marcou os seus contemporâneos e influenciou as gerações mais próximas. A testemunhá-lo recordemos Cristóvão Rodrigues Acenheiro que escreveu em tempo de João III e tanta vivacidade deu à acção de João II. A ideia de rei santo e virtuoso que tão brilhantemente foi abordada, num passado recente, por Albin Beau deixou-a ele traduzida nas últimas frases da crónica quando escreveu afirma-se que Deos fás por elle muitos milagres; e claro deve ser, pois com Deos teve tam bom fim. Igualmente Agostinho Manuel Vasconcelos, na sua Vida y acciones del Rey Don Iuan el segundo, Decimotercio de Portugal manifestou a sua grande admiração pela figura do Rei cujos actos descreveu, agigantando-o no confronto com os reis católicos». In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.

Cortesia de Estampa/JDACT