NOTA: Conforme o original
A América Antecolombiana
«(…) As outras nações
europeias não protestaram contra a partilha de Alexandre VI, como fez João II:
reservaram o direito de acção contra o favor que o chefe da egreja havia feito
ás duas coroas. O rei de Inglaterra, numa carta patente concedeu a negociantes seus
súbditos, associados a portuguezes, auctorização para descobrirem terras e governal-as em seu nome. A França, não
só estabeleceu feitorias em alguns pontos das costas do Brazil, d'onde foram
expulsas depois de sanguinolentas luctas, mas permittiu o corso, como meio mais
fácil e lucrativo, sahindo dos portos da Normandia, da Gasconha e da Bretanha
grande numero de navios armados que causaram graves prejuízos á Hespanha e a
Portugal, pelas prezas que fizeram nas embarcações e carregamentos de
mercadorias, que vinham da Índia e da America.
Já el-rei Manuel I em 14
de Dezembro de 1508 passara
regimento a João Serrão para ir, numa caravella bem artilhada, procurar
pelos portos da Europa o corsário francez Mondragon,
que roubara em Moçambique a nau de Job Queimado, que não havia podido
acompanhar a armada de Tristão da Cunha. Não tendo sido encontrado, a 18
de Janeiro do anno seguinte partiu o heróico Duarte Pacheco Pereira em
busca do mesmo corsário. No reinado de João III tomou a pirataria proporções
assustadoras. Este monarcha com a maior prudência sollicitou com instancia do rei
de França que retirasse a carta de marca, que havia concedido em 27 de Julho de
1530, a João Ango, rico armador
dieppez, contra os navios
portuguezes, até 220:000 ducados, a titulo de indemnisação e represália por se lhe
haver aprisionado um navio nas aguas da barra de Lisboa, que conduzia mercadorias
americanas, que se provou serem roubadas. A tripulação foi condemnada á morte pelos
tribunaes como piratas.
Apezar de muitas amabilidades
trocadas entre os dois soberanos, o de Portugal, vendo que o seu bom irmão Francisco
I não cedia, teve de descer a offertas particulares e secretas, promettendo dez
mil cruzados a Filippe Chabot, almirante de França (!) e 60:000 francos ao poderoso
corsário. D. João II preparou a descoberta da Índia que se levou a effeito no reinado
do seu successor, e promoveu os estudos da náutica, que em Portugal, n'aquella epocha,
attingiram o maior desenvolvimento. Este progresso marítimo e as emprezas aventureiras,
attrahiram ao reino grande numero de extrangeiros, uns no intuito de aprenderem
com os pilotos portuguezes nas arriscadas viagens, partilhando da sua gloria e proventos,
outros illustrados que offereciam a sua sciencia, e entre estes foi notável Martim
Beheim ou Behaim, que os escriptores portuguezes chamam de Bohemia.
Martim de Bohemia
nasceu entre os annos 1430 e 1436 na cidade de Nuremberg. Apezar de seguir
a vida commercial, dedicou-se por vocação especial ao estudo da mathematica, da
cosmographia, da astronomia e da náutica, tendo por mestres as maiores celebridades
do seu tempo. Depois de fazer varias viagens entre Malines, Anvers
e Vienna, veiu para Portugal, devendo a sua chegada ser anterior a Agosto
de 1481, quando João II, seguindo o plano
traçado por seu tio na escola de Sagres, tratava de aperfeiçoar a arte de navegar,
e Martim de Bohemia como discípulo de Camille Jean Muller de Monte
Regio não podia deixar de ler o melhor acolhimento. Martim Behaim com os
dois hebreus, mestre Joseph e mestre Rodrigues, ambos physicos notáveis,
trabalharam na invenção das taboas da declinação do sol, d'onde resultou poder fazer-se
a navegação directa pelo oceano em vez de seguir as costas, o que facilitou muito
as viagens e as descobertas.
Em 1484 embarcou como cosmographo, para fazer experiências no applicar
o astrolábio á navegação, levando duas caravellas, capitaneadas por Diogo Cão,
que seguiram ao longo do continente africano até ao rio Congo, onde foi collocado
um padrão com as armas portuguezas, e em Abril ou Maio de 1486 estava de volta em Lisboa. Os novos processos e instrumentos marítimos
deram optimos resultados nas experiências. N'este anno de 1480 casou com D. Joanna de Macedo, filha de Job Huerter, primeiro
capitão donatário das ilhas do Fayal e Pico, e d'este matrimonio houve um filho.
Em 1492 foi visitar a sua terra natal,
onde concluiu o celebre globo terrestre, servindo-lhe de grande auxilio os
trabalhos de Ptolomeu, Plínio, Strabão, Marco
Polo e as derrotas de alguns pilotos portuguezes na Africa até ao Cabo da
Boa Esperança. No globo já se acham marcadas as duas ilhas, Antilia ou das Sete Cidades e a de S. Romão. Na cidade de Nuremberg ainda se
conservavam, além deste globo terrestre, diversos documentos e cartas originaes
do sábio cosmographo.
Voltou a Lisboa em 1493 e seguiu
logo com sua mulher para o Fayal, onde foi fixar a sua residência. Parece ter sido
portador da carta de Jeronymo Monetário a João II, datada de 14 de Julho
de 1493. Neste importante documento
recommenda-se Martim de Behaim e indica-se até a competência d'elle para
emprehender o descobrimento do oriente pelo occidente, insistindo Monetário
na pretendida proximidade das costas orientaes da China ás occidentaes da Europa,
como estava marcado no globo de Behaim. Esta theoria, conhecida desde 1474 pela carta de Toscanelli e regeitada
nas propostas de Colombo, foi renovada
com empenho para João II a empreender não só pelo sábio Münzer, mas tambem
pelo imperador Maximiano. Colombo
e Martim de Bohemia eram apóstolos da mesma idéa, mas o primeiro, mais insistente,
conseguiu o auxilio dos reis de Hespanha e demandando as costas da Ásia
descobriu a America». In A. C. Teixeira de Aragão, Breve Notícia
sobre o Descobrimento da América, Mckew Parr Collection, Maggellan,
BrandeisUniversity (Lo que nos importa), Tipografia da Academia Real das
Ciências, Lisboa, 1892.
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Ciências/JDACT