«(…) Uma polis sem amor é uma
polémica uma guerra civil. O que
torna a polis pacífica e feliz é o
fluxo do amor, que não provém senão dos ramos marulhantes. Assim: Deus será o início, e o final do Mundo. É
Deus, depois é o Mundo, e de novo é Deus. Poesia, Filosofia e Religião
constituem os sinais renascentistas. A política seria tão só o
planeamento, pôr no chão da prática, aqueles sinais, de modo a que a cidade
fosse o paraíso. Enquanto os grupos posteriores, como Seara Nova e Nação Portuguesa
tonificam as causas terceiras, história e política, os poetas e os pensadores
de A Águia querem a tónica nas
segundas causas, por virtude da primeira. Na falta de um compromisso com
qualquer eclesial grupo ou comunidade, os aguilistas mergulham num quase
arroubo ou transporte de dissolução panteísta. A vertebração do pensamento é,
no entanto, ascensional: Pascoaes,
no admirável A Arte de Ser Português
deixaria, não tanto o manual do cidadão, como o catecismo da religião lusitana,
um cristianismo autónomo, não-romano, um cristianismo dos antigos pagi, qual esse que outrora houvera,
antes da histórica predominância romana sobre as igrejas locais.
E Leonardo, ao escrever O Problema da Educação Nacional, aliás
tese a um congresso partidário da Esquerda Democrática, poria ainda o
acento na sílaba da filosofia e, como conclusão, na palavra dera resultante, a
Religião. O alto e eterno destino
que Leonardo atribuía à Religião foi
parecer compartilhado por todos os aguilistas, cada um a seu modo, por isso que
não puderam aceitar os efeitos persecutórios resultantes da lei da separação.
Todo o conjunto do movimento, com religião positiva ou negativa, se ordena ao
longo desta coluna dórico-salomónica, que Leonardo
interligou, e que Pascoaes
compendiou no poema Regresso ao Paraíso.
Renascer em situação, ressuscitar no universo imponderalizado pela onda de
amor.
Sequência Activa
O exposto não tira à revista o perfil republicano e anticatólico que
logo definiu. Mas este anticatolicismo era, como depois se viu em Leonardo, Pascoaes e Corrêa d'Oliveira, um
anti-romanismo. A ideia nacional e patriótica da revista e do movimento exigia
a valoração do pagus e do património
pagão, de onde, sem poder rejeitar o depósito cristológico, mariológico e
hagiotógico, Pascoaes apenas
derivava para a ideia de uma Igreja nacional, sem obediência a Roma. No mais,
ele sentia que, mesmo valorando os vectores pagãos da cultura portuguesa,
dificilmente seria possível ir para além de um certo anglicanismo, isto é, de unta igreja cismática, separada de
Roma, mas com ela compartilhante dos essenciais artigos de fé. O pressuposto é
contrário ao espírito da águia ascendente, uma vez que, então, ficaria
prejudicada a visão ecuménica do orbe, decerto com uma Hispânia divorciada do
Mundo. E o Mundo esperava, da Hispânia, abertura e dom, pelo menos desde que se
iniciara a romanização católica do Mundo, no século XVI.
Todavia a razão tem, nos autores renascentistas, menos peso do que a
intuição. O grupo é amplamente constituído por poetas (Pascoaes, Cortesão, Augusto Casimiro, Afonso Duarte, Mário
Beirão, António Corrêa d'Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa), por
filósofos (Pascoaes, Leonardo
Coimbra, Raul Proença, José Teixeira Rêgo), por pragmáticos em vários domínios da ciência e da antropologia
cultural (visconde de Vila Moura, Damião Peres, António Sérgio, Ezequiel de
Campos), e por artistas que procuram o rosto interior do homem, por isso
que António Carneiro é o esteta psicólogo do grupo. Duas datas marcam a
vida renascentista:
- 1912, ano em que A Águia formula a posição tética,
- 1919, ano em que Leonardo Coimbra funda no Porto uma Faculdade de Letras, às tantas funcionando, na prática, como ramo espiritual da Renascença Portuguesa.
A influência das ideias aguilistas passava, desse modo, através das
páginas da revista, do quinzenário, da Faculdade de Letras e, por fim, das
Universidades Populares. A sequência activa tem limites: o recusado (anti-positivismo) e o afirmado
(originalismo, romantismo, patriótico, evolucionismo, transformismo) e, na
coroa de todas as ideologias adoptadas de fora, dois orientes concomitantes de formulação autóctone: criacionismo
e saudosismo.
Estes, aliás, os que prevaleceriam. Quando a prevalência do saudosismo como via
de renascença ou de ressurreição se instaurou, viu-se logo quem, no movimento, punha a tónica na República, e quem
a punha no Homem, quem punha a tónica na Arte, e quem, punha a tónica num modismo artístico.
Em 1912-1913, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa afastaram-se. Não era
deles o espírito renascentista. Outros ventos, porventura, sopravam em suas almas.
Em 1913-1914 assistimos à
defecção de António Sérgio, que, em 1921,
com Jaime Cortesão, Raul Proença e outros, constituiria a Seara Nova que herdava, de A Águia, apenas um pormenor: o da valorização
da República. Tudo o mais lhe era indiferente, ainda que a saudade lhe resultasse
incomodativa». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães
Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.
Cortesia de Guimarães Edt./JDACT