«(…) Uma obra de filosofia, de
poesia ou de arte constitui um novo mundo, um novo universo. Solicita atenção
contensa, receptividade ou entendimento paciente que garanta o acesso ao que
tem de próprio e intransferível, cuidados de interpretação compreensiva poucas
vezes cumpridos em breves dias ou semanas, requerendo anos ou decénios de
repetido e múltiplo labor. As dificuldades de exegese ou de hermenêutica
autênticas de uma obra de filosofia como de uma obra de poesia, resultam sempre
iniludíveis. A chamada história literária ou da cultura escondeu-o
durante muitos anos. A falta de condigna interpretação da obra de Teixeira
de Pascoaes, ou até antes dele da obra bem mais acessível de Antero
de Quental, é da mais clara evidência. Não sabemos rigorosamente o que
significa, para falar claro e directo, a melhor parte da alta poesia portuguesa.
De então para cá, a situação não se alterou muito e o facto das obras
de Pascoaes estarem a serem
reeditadas desde 1984 não representa
por si só um factor de mudança. A poesia de Pascoaes é encarada como excepção, o que a leva a ser mais tolerada
que compreendida. As principais sinopses e perspectivas da poesia portuguesa do
século XX continuam a caracterizar-se por uma quase total ausência da poesia de
Pascoaes. Para a maior parte das
pessoas que se interessam pelo estudo da literatura, a poesia portuguesa do
século XX começa em Fernando Pessoa
e Mário de Sá-Carneiro e a do século XIX termina em Cesário Verde ou em Camilo
Pessanha. Entre este fim do século XIX e aquele princípio do século XX
há um vazio, a que se atribui apenas uma importância secundária onde
encontramos a poesia de Teixeira de
Pascoaes e a dos poetas do seu tempo.
Se a poesia de Pascoaes é
pouco mais que desconhecida, quer porque as principais perspectivas literárias
e poéticas do nosso tempo continuem a insistir em não falar dela quer porque
quando dela falam, os instrumentos técnicos se mostram inadequados, pois
trata-se de uma poesia refractária a visões cristalizadas e medíocres, a poesia
do tempo de Pascoaes é perfeitamente
ignorada e até ostensivamente desprezada. Contudo, nunca aqueles que quiserem conhecer
ou estudar a poesia e a obra de Pascoaes
o poderão fazer sem, em simultâneo, estudarem e conhecerem a poesia e a obra
dos poetas do seu tempo, pois o texto de Pascoaes
mantém laços estreitíssimos, sem o conhecimento dos quais nunca poderá ser
devidamente entendido, com o texto do seu tempo. A poesia de Teixeira de Pascoaes não é para nós,
como parece ser para boa parte dos nossos contemporâneos, uma excepção incómoda
mas tolerada, que parece ter tido lugar num tempo nulo de outras criações poéticas,
mas antes a síntese criativa e feliz de um tempo poético importantíssimo. Ela
surge, em nosso entender, como o ponto mais alto de um ciclo poético que
levantou voo com as Odes Modernas
(1875) de Antero de Quental e ganhou
altura com A Pátria (1896) de Junqueiro,
o Só (1892) de António Nobre e Oaristos (1890) de Eugénio de Castro.
Este ciclo poético, que parece ter durado sensivelmente meio-século,
declinando ou fechando-se no infinito com as poesias de José Régio, Miguel
Torga, José Gomes Ferreira e outras, teve o seu ponto mais alto na
transição do século XIX para o século XX. Nas suas várias fases, que são as de
nascimento, crescimento, apogeu e declínio, muitos poetas deram vida e brilho a
este belíssimo ciclo poético, que é, depois do de Camões, o mais importante da
nossa história poética». In António Cândido Franco, Eleonor na Serra
de Pascoaes, Edições Átrio, Lisboa, Colecção o Chão do Touro, 1992,
ISBN-972-599-042-0.
Cortesia de Átrio/JDACT