Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) No entanto, a República procura a todo o custo equilibrar as finanças
do Estado, reforma fiscal de Portugal Durão em 1922/23, inverter a tendência inflacionista e estabilizar o custo
de vida; mas o clima de tensão social e o estado de insegurança política, três
tentativas golpistas entre Agosto e Setembro de 1924, (será o que nos falta?)
não reabilitam a confiança dos investidores, as associações patronais e os
grandes grupos económicos organizam-se e, em Setembro de 1924, constituem a União dos Interesses Económicos, UIE, com o fim
último de acabar com a desordem e a
partidocracia. Porém, os milhares de desempregados produzidos pelo
agravamento da crise, o início das deportações sem julgamento de activistas
operários, desmantelando em grande parte a organização operária cuja imprensa
se encontra em nítida regressão e os excessos das forças repressivas, vão
operar uma determinante clivagem política. Em Novembro de 1924 a Esquerda Democrática,
ED, de José Domingues Santos sobe ao poder. Segundo Fernando Medeiros,
terá sido a natureza radical dos seus projectos, proposta de reforma agrária de
Ezequiel Campos; política económica de apoio às pequenas e médias empresas;
reconhecimento oficial da Confederação
Geral dos Trabalhadores, CGT, libertação dos operários detidos nos
meses anteriores e dissolução da Associação Comercial de Lisboa, ACL,
que a fez cair em Fevereiro de 1925,
mau grado as manifestações populares de apoio ao governo canhoto.
César Oliveira refere igualmente que a breve experiência de
governo da Esquerda Democrática
presidida por José Domingues Santos assustou as forças sociais e políticas
mais conservadoras, dado representar uma saída com apoio popular para a crise
da República. Simultaneamente, a reforma financeira não produz os efeitos
esperados e o Partido Democrático
agrava a pauta alfandegária. No entanto, os mercados nacional e colonial encontram-se em contracção e a falência de
centenas de casas comerciais implica consequências de ordem social. É
contra esta anarquia governativa que os militares de Braga se revoltam, contra
uma República que experimentou 29 ministérios, 13 golpes militares,
4 eleições legislativas e 3 Presidentes da República entre 1919-1926 sem que o seu pessoal
político tivesse conseguido granjear a confiança dos investidores e conservar a
sua base tradicional de apoio, num processo que acaba por dissociar a
tradicional base de apoio da República. A
desagregação económica, social e política da República tornaria assim
possível que as diversas oposições se aproximassem e se instalasse a crise de
legitimidade dos bonzos do PRP.
Fernando Rosas resume:
- No final dos anos vinte, a formação social portuguesa atravessa o momento crítico de uma prolongada crise económica que reforça a situação de dependência e de atraso que estruturalmente a caracterizam. Uma classe dominante enfraquecida, dividida por contradições, que a conjuntura agrava, sem um sector claramente hegemónico e sem capacidade de enquadramento de um movimento operário em declínio, mas com um passado recente de forte agressividade social e política, põe-se de acordo quanto à necessidade de um novo tipo de poder político.
Instaurada a28 de Maio de 1926,
a Ditadura Militar não pôs, também ela, fim à instabilidade
característica da República distinguindo-se, ao invés, pela luta activa que
evidencia um dos períodos mais convulsivos da história política portuguesa
deste século XX. Filha de grandes incertezas, hesitações e tergiversações, a Ditadura
Militar sabia apenas para o que nascia: derrubar o partido identificado com
António Maria Silva e afastar os homens do Partido Republicano Português das
cadeiras do poder. Era esse o objectivo dos partidos e forças políticas
consensualmente empenhados na obra de regeneração
nacional sob a iniciativa das Forças Armadas.
No entanto, e apesar do objectivo comum, o levantamento não traz
consigo qualquer programa previamente definido. É exactamente essa ambiguidade a
responsável pelo florescimento de concepções as mais diversas acerca do modo de
reformar ou romper com o regime vigente e futura condução dos destinos do país.
Neste contexto, os objectivos contraditórios e radicalmente opostos apresentados
por cada uma das forças políticas presentes dão origem a separações de interesses
entre os revoltosos, aquilo que Fernando Rosas designou por clarificações
no processo de transição da Ditadura Militar para o Estado Novo.
Até 1931, a Ditadura
Militar caracteriza-se por um equilíbrio
instável resultante da luta entre republicanos liberais e conservadores,
por um lado, e forças antiliberais e
antidemocráticas, por outro. Partidários da instauração de uma
república conservadora, embora liberal e parlamentar, o primeiro bloco, com
estreitas ligações com a elite militar conservadora e republicana, aposta numa mudança
de turno que, dentro da legalidade constitucional, traga ao país a
alternância necessária e coloque a ULR na direcção do Estado. E o grupo que se
revê na direita republicana onde predominam o Partido Nacionalista, PN, e a ULR
de Cunha Leal. O segundo bloco, apoiado pelas forças conservadoras em
geral, monárquicos, integralistas e
pró-fascistas, preconiza um corte radical com o passado e a Ditadura
como um fim em si mesmo, garante da ordem e de uma política conservadora». In
Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932,
Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.
Cortesia de E. Colibri/JDACT