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«No ódio entre as Casas de Urgel e Transtâmara sobressaíam duas
cunhadas, Isabel, duquesa de Coimbra, e Leonor, Rainha de Portugal. Isabel
sabia, e sentia, que o ódio de Leonor, se não legítimo, era imenso pois
conhecia a verdade das lutas políticas de Jaime e de seu pai: o pai da cunhada
fora cruelmente afastado das suas legítimas pretensões. D. Isabel, casada com o
Infante Pedro, considerava-se a herdeira de Aragão e o seu marido com ela partilharia
o trono. Se o jogo político da Península o permitisse e falhasse o Tratado de
Paz e Amizade firmado com Portugal, Pedro poderia sempre ser Rei da Catalunha e
de Aragão. Penso mesmo que esse foi o seu sonho e o que aconteceu não passou de
um tremendo equívoco que serviu os inimigos do Infante. Com o sobrinho firmado
no trono português, com a Catalunha e Aragão sob o seu poder, a que Navarra
acabaria por se adicionar com terras e homens, com o Reino de Granada a sul e a
demarcada opção da pertinaz Inglaterra a apoiar qualquer membro da dinastia que
João I e D. Filipa de Lencastre tinham iniciado, basta estudar a particular
opção dos Reis de Inglaterra na Península e no Ducado da Borgonha, cujo
príncipe era casado com uma princesa portuguesa, sempre considerei a visão de
Pedro a de um César e não apenas o oportunista filho segundo de um Rei em busca
de um lugar ao sol. Como acontece sempre, ao longo da História, são os medíocres
que vencem o jogo, ou quase sempre aqueles que do mundo ou do futuro têm a
visão compartimentada das suas mesquinhas ambições particulares, familiares,
pessoais.
Embora o infante Pedro tivesse acatado a opinião do irmão e Rei morto, pondo-se
ao serviço da cunhada, a intriga prosseguia, liderada pelo conde de Barcelos e
seu filho conde de Ourém (embora este tivesse sempre tentado uma mediação entre
o pai e o tio), Pedro de Noronha, arcebispo de Lisboa, e Vasco Fernandes
Coutinho. A Rainha, essa, louca de perplexidade, indecisa, pouco inteligente,
sempre vigiada pelos espiões do cunhado, pressionada pelo astuto Barcelos, não
consegue aguentar nem a situação nem a sua posição como Regente e como mãe.
O futuro conde de Marialva, no discurso em Cortes, naquele Novembro do
ano de 1438, fez um retrato terrível do Infante: um traidor porque hipócrita, um
cego de ambição, de poder. O infante Henrique, aquele dúbio solitário de
Sagres, para quem as coisas do mundo só interessavam se permitissem a prossecução
da sua política de descobertas do mar oceano, de momento apoiou a Rainha mas
aceitou uma mediação, que a Rainha lhe pediu, entre os opositores e o Infante.
Acabou por haver um acordo e a Rainha ficaria com a tutoria dos filhos,
administração das rendas e ofícios (o que sobremaneira convinha à alta nobreza
cujos desmandos Pedro queria limitar), a justiça seria entregue ao conde de
Arraiolos que era, aliás ao contrário da família, um amigo do tio Pedro e este
ficaria defensor do Reino. Para que tudo se cumprisse, todos os anos seriam
reunidas Cortes com a presença dos Três Estados.
Pedro aceitou para fazer a vontade ao irmão navegador que só desejava
regressar ao seu refúgio de Sagres. Só que D. Leonor recusou assinar,
certamente de novo pressionada. O Infante não era homem de negaças. Não aceitou
o convénio e pôs as cartas na mesa, se é que em política isso alguma vez se
faz. O Barcelos insistia. Não desistia do casamento da neta com o jovem Rei.
Entretanto, os Conselhos, ao terem conhecimento das notícias, votaram a favor
do duque de Coimbra, obrigando a soberana a assinar.
O infante Pedro soube também que a cunhada, depois de uma conversa com
o conde de Barcelos, acabara por se convencer a retirar a Pedro o alvará onde
constava o ajuste de casamento entre o filho Afonso e a sobrinha Isabel.
Recebeu o irmão que, com aquela falta de nobreza que a cega ambição concebe, o
foi procurar. Pedro rasgou-lhe o papel na cara e entregou os fragmentos do
alvará, ao irmão com um desdém tão profundo que certamente faria corar um
vilão. Mas Afonso recebeu os bocados de papel e regressou feliz, convencido que
vencera a batalha, sem um leve resquício de vergonha ou dignidade.
Houve um homem, no entanto, que se ergueu a defender o Infante e a
coesão do Reino que, por este andar, se encaminharia para a guerra civil, João,
o irmão mestre da Ordem de Santiago, que denuncia o acordo de Torres como um
disparate e propõe o Infante Pedro como Regente do Reino. As Cortes de Lisboa,
em Dezembro de 1439, entregam o poder ao “Infante das Sete-Partidas”, que é
confirmado nas de 1440.
Fora um ano mau, até porque vira morrer a pequenina D. Filipa, irmã de Afonso,
em Alenquer, desgosto que se juntou aos outros da pobre Rainha, espécie de peão
perdido no vasto e complexo tabuleiro do xadrez nacional e, entretanto,
nascera-lhe a filha, a última, póstuma, pois o monarca Duarte deixara-a grávida,
D. Joana que irá participar num perigoso jogo também, mais tarde, pois os
azares da política e as exigências da diplomacia irão fazer dela a leviana
mulher de Henrique IV de Castela, a mãe da infeliz Beltraneja». In Seomara
Luzia da Veiga Ferreira, Crónica Esquecida d’el rei João II, Editorial
Presença, Lisboa 1995, 4ª edição, Lisboa 2002, ISBN 972-23-1942-6.
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