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«Embora encontremos referências várias a casos em que o retorno ao reino
se verificava, temos conhecimento de outros em que o cristão-novo prefere
estabelecer-se de imediato no local que visita. Se este tipo de conta não era o
mais frequente, tal fica apenas a dever-se ao facto de aqueles que se deslocam
ao exterior terem deixado em Portugal sua família e fazenda. Para a1ém destes,
detectámos ainda a existência de um outro grupo constituído por aqueles que
tendo permanecido no exterior por períodos alargados de tempo, acabam por
regressar, que aliás nem sempre eram compreendidos pelos que no Reino continuam
a desejar a fuga.
Uma outra forma de manter vivo o desejo de mobilidade externa, eram as
visitas efectuadas ao reino por alguém que nos é descrito como um homenzinho
natural da Beira, pequeno de corpo, de pouca barba, rosto preto, olhos moles e
ramelados, vestido de burel e que trazia una cevadeira pequena deitada ao
pescoço. Vinha frequentemente a Portugal trazer notícias dos cristãos-novos
ausentes. Numa das suas visitas trouxe consigo mais de quarenta cartas
destinadas às diferentes comunidades cristãs-novas do Reino. Visitou entre 1572
e 1578 locais como Castelo de Vide, Lisboa, Setúbal, Vila Viçosa e Nisa,
datando de Setembro de 1578 a última referência à sua estada entre os membros
da comunidade de Castelo de Vide.
Para além das cartas que traz destinadas a diversos membros desta comunidade,
o homenzinho de ‘corpo desprezível’ que se dizia vir de Sa1ónica, não perde as
oportunidades que se lhe apresentam de informar pessoalmente aqueles com quem
contacta acerca da forma como viviam na Lei, longe da Inquisição (maldita), os
que tinham partido. A sua permanência em Castelo de Vide provoca a afluência de
cristãos-novos às casas daqueles em que pousa.
Dogmatiza os que o visitam, lendo-lhes por um livro em hebraico,
ensinando-lhes orações, esclarecendo-os acerca de alguns aspectos da guarda da
Lei. Certos elementos da comunidade expõem-lhe os seus problemas e pedem-lhe conselho.
A importância atribuída pela comunidade a este elemento que chega de exterior é
de tal ordem que Catarina Rodrigues, após ter participado num encontro em que
ele estivera dogmatizando, perguntada pelo que nele se passara, não responde com
factos, preferindo exteriorizar a sensação que ele lhe provocara, afirmando que
"parecia que vinha uma pessoa da glória". Contribui assim este
elemento de forma eficaz, para alimentar no espírito da comunidade a ideia de
que era possível o estabelecimento num local que, embora não fosse a ‘Terra do
Promissão’, apresentava sobre ela a vantagem de se poder materializar a curto
prazo.
A resposta da comunidade face a este conjunto de apelos vindos do exterior
é nalguns casos positiva, passando então o homem de Salónica a assumir um outro
papel: o de organizador e guia das fugas dos que estavam dispostos a segui-lo,
e a promover a sua integração nas comunidades estrangeiras. Os próprios cristãos-novos
lhe atribuem esse papel ao afirmarem:
- - Vós vedes a disposição daquele? Parece que está dizendo, ‘logo tornarei por vós'.
Outros elementos desempenham, paralelamente ao ‘homem da campainha’,
como também era conhecido, o papel de guias em fugas organizadas; Pedro Lopes,
mercador, confessou ter levado muitos cristãos-novos portugueses para as partes
de França e Itália, contando-se entre estes membros da comunidade de Castelo de
Vide.
Explicando este desejo de fuga sempre latente, encontra-se a vontade de
permanecer na Lei que fora a dos antepassados, o que se tornava difícil devido
à acção do Tribunal do Santo Ofício (maldito). Um lugar como Salónica, onde ‘ainda
que mais riqueza lá não houvesse que dormirem e a manhã na cama quietos e sem
receios de lhes baterem à porta da Inquisição (maldita) era assaz de riqueza’,
correspondia aos anseios da gente de nação de Castelo de Vide, num período em
que o Santo Ofício de Évora fazia recair a sua atenção sobre as comunidades
vizinhas». In Maria Teixeira Pinto e Lucília Ferreira Runa, A Comunidade
Cristã-Nova de Castelo de Vide, 1560 – 1580, Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional
e Local, Setembro de 1987.
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