domingo, 24 de junho de 2012

A Comunidade Cristã-Nova de Castelo de Vide, 1560 – 1580. Maria Teixeira Pinto e Lucília Ferreira Runa. «Para além das cartas que traz destinadas a diversos membros desta comunidade, o homenzinho de ‘corpo desprezível’ que se dizia vir de Sa1ónica, não perde as oportunidades que se lhe apresentam de informar pessoalmente aqueles com quem contacta acerca da forma como viviam na Lei…»



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«Embora encontremos referências várias a casos em que o retorno ao reino se verificava, temos conhecimento de outros em que o cristão-novo prefere estabelecer-se de imediato no local que visita. Se este tipo de conta não era o mais frequente, tal fica apenas a dever-se ao facto de aqueles que se deslocam ao exterior terem deixado em Portugal sua família e fazenda. Para a1ém destes, detectámos ainda a existência de um outro grupo constituído por aqueles que tendo permanecido no exterior por períodos alargados de tempo, acabam por regressar, que aliás nem sempre eram compreendidos pelos que no Reino continuam a desejar a fuga.
Uma outra forma de manter vivo o desejo de mobilidade externa, eram as visitas efectuadas ao reino por alguém que nos é descrito como um homenzinho natural da Beira, pequeno de corpo, de pouca barba, rosto preto, olhos moles e ramelados, vestido de burel e que trazia una cevadeira pequena deitada ao pescoço. Vinha frequentemente a Portugal trazer notícias dos cristãos-novos ausentes. Numa das suas visitas trouxe consigo mais de quarenta cartas destinadas às diferentes comunidades cristãs-novas do Reino. Visitou entre 1572 e 1578 locais como Castelo de Vide, Lisboa, Setúbal, Vila Viçosa e Nisa, datando de Setembro de 1578 a última referência à sua estada entre os membros da comunidade de Castelo de Vide.
Para além das cartas que traz destinadas a diversos membros desta comunidade, o homenzinho de ‘corpo desprezível’ que se dizia vir de Sa1ónica, não perde as oportunidades que se lhe apresentam de informar pessoalmente aqueles com quem contacta acerca da forma como viviam na Lei, longe da Inquisição (maldita), os que tinham partido. A sua permanência em Castelo de Vide provoca a afluência de cristãos-novos às casas daqueles em que pousa.
Dogmatiza os que o visitam, lendo-lhes por um livro em hebraico, ensinando-lhes orações, esclarecendo-os acerca de alguns aspectos da guarda da Lei. Certos elementos da comunidade expõem-lhe os seus problemas e pedem-lhe conselho. A importância atribuída pela comunidade a este elemento que chega de exterior é de tal ordem que Catarina Rodrigues, após ter participado num encontro em que ele estivera dogmatizando, perguntada pelo que nele se passara, não responde com factos, preferindo exteriorizar a sensação que ele lhe provocara, afirmando que "parecia que vinha uma pessoa da glória". Contribui assim este elemento de forma eficaz, para alimentar no espírito da comunidade a ideia de que era possível o estabelecimento num local que, embora não fosse a ‘Terra do Promissão’, apresentava sobre ela a vantagem de se poder materializar a curto prazo.
A resposta da comunidade face a este conjunto de apelos vindos do exterior é nalguns casos positiva, passando então o homem de Salónica a assumir um outro papel: o de organizador e guia das fugas dos que estavam dispostos a segui-lo, e a promover a sua integração nas comunidades estrangeiras. Os próprios cristãos-novos lhe atribuem esse papel ao afirmarem:
  •  - Vós vedes a disposição daquele? Parece que está dizendo, ‘logo tornarei por vós'.
Outros elementos desempenham, paralelamente ao ‘homem da campainha’, como também era conhecido, o papel de guias em fugas organizadas; Pedro Lopes, mercador, confessou ter levado muitos cristãos-novos portugueses para as partes de França e Itália, contando-se entre estes membros da comunidade de Castelo de Vide.
Explicando este desejo de fuga sempre latente, encontra-se a vontade de permanecer na Lei que fora a dos antepassados, o que se tornava difícil devido à acção do Tribunal do Santo Ofício (maldito). Um lugar como Salónica, onde ‘ainda que mais riqueza lá não houvesse que dormirem e a manhã na cama quietos e sem receios de lhes baterem à porta da Inquisição (maldita) era assaz de riqueza’, correspondia aos anseios da gente de nação de Castelo de Vide, num período em que o Santo Ofício de Évora fazia recair a sua atenção sobre as comunidades vizinhas». In Maria Teixeira Pinto e Lucília Ferreira Runa, A Comunidade Cristã-Nova de Castelo de Vide, 1560 – 1580, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.

Cortesia da FCSHUNL/JDACT