terça-feira, 12 de junho de 2012

Maria Cristina A. Cunha. Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV. «Contudo, e ao contrário do que se passava na Palestina, foram os reis e príncipes cristãos, através dos templários e dos hospitalários, que lideraram o processo da Reconquista, procurando adaptar o ideal de cruzada à sua política de expansão territorial…»



Cortesia de wikipedia

O nascimento das ordens militares na Península Ibérica
«Para além dos hospitalários e dos templários, fundaram-se na Palestina outros institutos religiosos militares, nomeadamente a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos (que rapidamente estendeu a sua actividade à Europa oriental e central) e a Ordem dos Cavaleiros do Santo Sepulcro. E se delas não há notícias de uma grande penetração na Península Ibérica, já as milícias templária e hospitalária tiveram uma rápida e precoce difusão neste território, que vivia, também ele, num clima de guerra contra os muçulmanos, no âmbito da Reconquista. Contudo, e pelo menos no que respeita aos templários, o seu interesse pelos territórios peninsulares prendeu-se, numa primeira fase, mais com a necessidade de rendimentos e homens do que com a presença islâmica: apesar de cedo aparecer no Condado Portucalense, é apenas na segunda metade do século XII que a Ordem do Templo se vai envolver na Reconquista aragonesa e castelhana.
Numa perspectiva mais global, a Santa Sé olhava os territórios que iam sendo tomados aos muçulmanos na Península Ibérica como o palco ideal para a efectivação da reforma da Igreja que pretendia. O ambiente religioso peninsular, que dava a base necessária à restauração das dioceses que durante a ocupação árabe tinham sido abandonadas, era propício não só à imposição da liturgia romana, em substituição das que até então imperavam na Península Ibérica, mas também às novas formas de monaquismo e ao ideal de uma nova cavalaria. Daí o apoio dado por Roma às iniciativas militares dos príncipes cristãos, que visavam reduzir o domínio árabe na Península e expandir a fé cristã. Contudo, e ao contrário do que se passava na Palestina, foram estes últimos, os reis e príncipes cristãos, e não a Santa Sé, através dos templários e dos hospitalários, que lideraram o processo da Reconquista, procurando adaptar o ideal de cruzada à sua política de expansão territorial, ao mesmo que resolviam o problema da colonização das áreas conquistadas.
Em meados do século XII existiam já nas zonas fronteiriças reconquistadas da Península vários conventos-fortaleza (por exemplo, Belchite). Nelas viviam cavaleiros que consagravam a sua vida à religião e à luta armada contra os muçulmanos. Não se tratava de ordens militares, no verdadeiro sentido da palavra, até porque não se regiam por uma Regra própria. Alguns autores vêem neles um paralelismo com os ribats, mosteiros muçulmanos fortificados onde viviam soldados que repartiam o seu tempo entre a guerra contra os cristãos e exercícios religiosos de tipo ascético. A grande diferença entre estes ribats e as Ordens Militares reside no facto de aqueles serem apenas fortalezas isoladas, sem qualquer organização militar, sem regra e sem extensão territorial, ao contrário destas últimas.
As vicissitudes próprias de um processo como o da Reconquista fizeram com que a fronteira cristã conhecesse avanços e recuos: várias foram as fortalezas que, após terem sido subtraídas ao domínio muçulmano, voltaram a cair nas mãos destes. Tal aconteceu, por exemplo, em 1143, altura em que Kalaat Rawah, baluarte importante na rota da Andaluzia e praça fundamental para a defesa do reino de Castela, é de novo tomada pelos muçulmanos.
Recuperada pelos cristãos quatro anos mais tarde, a fortaleza, chamada pelos guerreiros castelhanos “Calatrava”, foi entregue aos templários, que tinham colaborado activamente na sua reconquista. Após a morte de Afonso VII, ocorrida em 1157, e perante nova ameaça almoada, estes cavaleiros não quiseram aí permanecer, alegando que o seu reduzido número não permitia uma defesa eficaz. Sancho IV, não tendo possibilidades de assumir a necessária tarefa defensiva, prometeu a doação da construção militar e de todo o domínio que a circundava a quem se encarregasse, com êxito, de tal missão.
Por esta altura encontrava-se junto da corte castelhana Raimundo de Serrat, que dirigia a abadia cisterciense de Fitero (filha da abadia de Scala Dei), com o objectivo de ver confirmados alguns privilégios anteriormente outorgados ao seu mosteiro. O abade cisterciense, associado a Diego Velasquez, um cavaleiro que havia servido Afonso VII ter-se-á proposto responder ao apelo do monarca, que prontamente efectivou a prometida doação à Ordem de Cister, na pessoa de Raimundo». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

continua
Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT