jdact
«Texto ambíguo, como todas as prognoses, o augúrio bandárrico
ajustou-se ao restauracionismo temporalista, desde João de Castro a António
Vieira, sobretudo porque a trova 88, anunciando que o ‘Encoberto’ teria um
nome, permitiu a especulação exegética e propagandística. Todos quantos
admitiram a referência temporal e imanentista das trovas leram ‘o seu nome é D.
João’, mas a verdade é que, pelo lado judaico, só por evasiva criptonímica os
judeus fiéis poderiam aceitar o nome de João como o nome do ‘Encoberto’, do ‘Príncipe
da Paz Universal’. Os fiéis judeus prefeririam ler ‘D. Foão, etc.’
Aliás, escreve logo a seguir:
A aplicação do bandarrismo a Sebastião é um abuso. Com efeito, nem o
Messias é, no judaísmo, um perdido que regressa, nem Alcácer Quibir foi mais do
que o castigo dado aos portugueses, em vista dos pecados comeridos contra os
judeus. Toda a exegese, desde Aboah a Menassé, defende esta tese, e nunca se
poderia assumir que o Messias incarnasse fora do povo de Israel. A maldição lançada
pelos judeus a Portugal englobou o rei Sebastião, e dela restou uma festa,
celebrada desde então, o ‘Purim dos Portugueses’, ou ‘Purim de D. Sebastião’,
comemorado na sinagoga. O texto litúrgico, “neguilla”, contendo a narrativa da
chegada do ‘Desejado’ a Tânger é uma violenta réplica aos portugueses, a
Sebastião e aos cristãos, contra os quais os judeus houveram vingança, trazida
pela mão divina, em Alcácer Quibir. Esta, uma das causas pelas quais o ‘Sebastianismo’,
podendo aferir algo à fundamental matriz hebraico do messianismo, não
constituir, de ‘per si’, um factor judaico.
Mas continuemos a transcrever algumas das mais significativas trovas do
Bandarra, não esquecendo que elas ‘falaram’, a Portugueses, quer a
cristãos-novos (marranos), quer sobretudo a cristãos-velhos.
Logo no início do ‘Sonho Segundo’, Gonçalo Annes concretiza a gesta do
futuro ‘bom rei Encoberto’, nalguns dos seus-versos mais famosos, em que,
aliás, chega a fazer doutrina:
XCIV
Oh, quem tivera Poder
para dizer,
os sonhos que o homem sonha!
Mas fiel medo, que me ponha
grão vergonha
de mos não quererem crer.
Vi um grão Leão correr
sem se deter,
levar sua viagem,
tomar o porco selvagem
na paragem,
sem nada lho defender.
XCV
Tirará toda a escória
será paz em todo o Mundo,
de quatro Reis o segundo
haverá toda a vitória...
João de Castro, na “Paráfrase...”, apresenta os dois primeiros versos
desta última quadra de outro modo: ‘Tirará, toda a Erronia, / fará Paz em todo
o mundo’.
“Fará ou será Paz?”
Sampaio Bruno, citando o neto do herói das Índias, abona-se, em todo o
caso, nesses versos para culminar a sue tese de que ‘o sebastianismo coincide
com o filosofismo’, visto que a paz anunciada surge vinculada à operação
filosófica de ascender do erro para a verdade; não é a paz, das espadas, não é
o império da força; é antes um reino de verdade e de luz. O Quinto Império
Português, acrescentará Fernando Pessoa insistentemente, será o ‘Império da
Cultura’». In António Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista,
Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1983.
Continua
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT