terça-feira, 12 de junho de 2012

Reflexos das alterações políticas de finais do século XIV em concelhos da Estremadura litoral. Manuela Santos Silva. «… que Ruy de Azevedo considerou a mais fidedigna das cópias da carta de doação original da Atouguia a Guilherme de Cornibus, 1148, estaremos de posse do mais antigo vestígio de organização territorial em terras da Estremadura no período pós-Reconquista»



Lourinhã
Cortesia de wikipedia

Resumo
No período subsequente à sua reconquista pelo Rei de Portugal a região da Estremadura litoral foi organizada em unidades autónomas, das quais apenas algumas, normalmente as que tinham surgido em torno de uma povoação acastelada com uma dimensão apreciável, mantiveram uma ligação directa com a Coroa. Aproveitando a apetência de alguns potenciais povoadores provindos de outras regiões da Cristandade, o rei Afonso Henriques permitiu-lhes o estabelecimento e o gozo de privilégios especiais em alguns locais desta área; em outras zonas optou por aproveitar a capacidade organizadora e defensiva das Ordens Religiosas Monásticas ou Militares. Durante o conturbado período de 1383/1385, contudo, a Coroa de Portugal, por motivos sobretudo estratégicos, optou, porém, por garantir em quase todos os pontos do seu reino uma submissão sem intermediários independentes ao seu domínio, concluindo assim uma reforma administrativa iniciada há um século.

«A estratégia do primeiro rei de Portugal para o povoamento da zona costeira a Norte de Lisboa proporcionou, logo a partir de meados do século XII, a existência e coexistência de diversas formas de organização do espaço e das gentes. Assim, assegurando-se de que, em pelo menos três castelos da região, se poderiam aquartelar exércitos comandados por vassalos seus, de lealdade e obediência comprovadas, permitiu-se alienar outras faixas do território, nomeadamente as mais expostas aos perigos que poderiam surgir do mar, a particulares e a ordens religiosas militares, escolhendo como limite setentrional, antes do já anteriormente povoado território de Leiria, a zona de Alcobaça que doou à Ordem de Cister.
Deste complexo mosaico administrativo, apenas iremos seguir a evolução de uma das suas partes: aquela que serviu de base à nossa Dissertação de Doutoramento e que compreende ainda assim um grande concelho régio e quatro pequenos concelhos senhoriais, nem todos, porém, com a mesma data de origem, e mesmo com historiais bastante diferentes que apenas referiremos sumariamente no que à concretização do nosso objectivo se revelar necessário.
E este consiste em analisar as transformações operadas sobretudo na esfera política regional com o advento de uma nova dinastia. Não é de estranhar que o período conturbado de 1383-85 tenha trazido alterações a nível, por exemplo, dos detentores de cargos de outorga régia, mas a originalidade que esta micro-região apresenta vai bastante mais além deste tipo de alterações, como teremos oportunidade de demonstrar. Mas como se caracteriza, em termos das suas origens e do seu passado histórico recente, a região que iremos analisar?
A sua maior originalidade consiste no facto de, logo nos anos subsequentes às tomadas das cidades do vale do Tejo, algumas das suas zonas territoriais terem sido objecto de doação a estrangeiros, designados por "francos", embora pertencentes a presumíveis diversas nacionalidades.
Se for verdadeira a data assinalada no documento apócrifo que Ruy de Azevedo considerou a mais fidedigna das cópias da carta de doação original da Atouguia a Guilherme de Cornibus, 1148, estaremos de posse do mais antigo vestígio de organização territorial em terras da Estremadura no período pós-Reconquista. Pelas lições até nós chegadas tratar-se-ia de uma mercê feita àquele cruzado de forma individual mas hereditária e justificada pelo facto do agraciado e seus parentes terem participado de forma meritória na tomada da cidade de Lisboa aos muçulmanos. As origens do senhorio franco da Lourinhã não estão tão bem documentadas como as da Atouguia ou mesmo de Vila Verde dos Francos pois falta-nos a carta régia em que se concedia aquela faixa litoral da Estremadura a sul da Atouguia a Jordão, seu comprovado primeiro donatário e alcaide. De facto, o documento mais antigo que possuímos para a história deste senhorio e concelho é o seu foral, infelizmente não datado e que apenas conhecemos pela confirmação posterior do seu teor levadas a cabo pelo terceiro rei de Portugal. O seu prólogo não deixa porém dúvidas: identifica o texto como sendo o da carta de foral:
  • "quam Domnus Jurdanus concedente illustri Rege domno Alfonso dedit populatoribus de Laurian tam presentibus quam futuris".
Temos, assim, Jordão como provável primeiro senhor da Lourinhã e como certa a sua capacidade reconhecida pelo primeiro rei de Portugal de outorgar uma carta de foro aos seus pares e/ou súbditos. A ausência de outros testemunhos escritos tem levado a que se deduza a primeira parte da evolução histórico-administrativa da Lourinhã dos dados conhecidos e encarados como praticamente indiscutíveis para a Atouguia. Daí que se não duvide normalmente da similitude das origens dos dois senhorios. Pensa-se que a sua doação terá tido lugar em data próxima da concessão da Atouguia a Guilherme de Cornibus, que terá tido como motivação o reconhecimento do serviço prestado por Jordão também na conquista de Lisboa e que o seu foral, elaborado pelo seu Senhor com o consentimento de Afonso Henriques, deve ter sido elaborado pela mesma data em que Guilherme de Cornibus outorgou forais aos dois grupos nacionais que povoavam a Atouguia, Francos e Galegos». In Manuela Santos Silva, Reflexos das alterações políticas de finais do século XIV em concelhos da Estremadura litoral, Conferência proferida no dia 29 de Abril de 1998 no Instituto de Documentação Histórica Medieval da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, Volume I, Tomo II.

Cortesia de Universidade do Porto/JDACT