Lourinhã
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Resumo
No período subsequente à
sua reconquista pelo Rei de Portugal a região da Estremadura litoral foi
organizada em unidades autónomas, das quais apenas algumas, normalmente as que
tinham surgido em torno de uma povoação acastelada com uma dimensão apreciável,
mantiveram uma ligação directa com a Coroa. Aproveitando a apetência de alguns
potenciais povoadores provindos de outras regiões da Cristandade, o rei Afonso
Henriques permitiu-lhes o estabelecimento e o gozo de privilégios especiais em
alguns locais desta área; em outras zonas optou por aproveitar a capacidade
organizadora e defensiva das Ordens Religiosas Monásticas ou Militares. Durante
o conturbado período de 1383/1385, contudo, a Coroa de Portugal, por motivos
sobretudo estratégicos, optou, porém, por garantir em quase todos os pontos do
seu reino uma submissão sem intermediários independentes ao seu domínio, concluindo
assim uma reforma administrativa iniciada há um século.
«A estratégia do
primeiro rei de Portugal para o povoamento da zona costeira a Norte de Lisboa
proporcionou, logo a partir de meados do século XII, a existência e
coexistência de diversas formas de organização do espaço e das gentes. Assim,
assegurando-se de que, em pelo menos três castelos da região, se poderiam
aquartelar exércitos comandados por vassalos seus, de lealdade e obediência
comprovadas, permitiu-se alienar outras faixas do território, nomeadamente as
mais expostas aos perigos que poderiam surgir do mar, a particulares e a ordens
religiosas militares, escolhendo como limite setentrional, antes do já
anteriormente povoado território de Leiria, a zona de Alcobaça que doou à Ordem
de Cister.
Deste complexo mosaico
administrativo, apenas iremos seguir a evolução de uma das suas partes: aquela
que serviu de base à nossa Dissertação de Doutoramento e que compreende ainda
assim um grande concelho régio e quatro pequenos concelhos senhoriais, nem
todos, porém, com a mesma data de origem, e mesmo com historiais bastante
diferentes que apenas referiremos sumariamente no que à concretização do nosso
objectivo se revelar necessário.
E este consiste em
analisar as transformações operadas sobretudo na esfera política regional com o
advento de uma nova dinastia. Não é de estranhar que o período conturbado de
1383-85 tenha trazido alterações a nível, por exemplo, dos detentores de cargos
de outorga régia, mas a originalidade que esta micro-região apresenta vai
bastante mais além deste tipo de alterações, como teremos oportunidade de
demonstrar. Mas como se caracteriza, em termos das suas origens e do seu
passado histórico recente, a região que iremos analisar?
A sua maior
originalidade consiste no facto de, logo nos anos subsequentes às tomadas das
cidades do vale do Tejo, algumas das suas zonas territoriais terem sido objecto
de doação a estrangeiros, designados por "francos", embora
pertencentes a presumíveis diversas nacionalidades.
Se for verdadeira a data
assinalada no documento apócrifo que Ruy de Azevedo considerou a mais fidedigna
das cópias da carta de doação original da Atouguia a Guilherme de Cornibus,
1148, estaremos de posse do mais antigo vestígio de organização territorial em
terras da Estremadura no período pós-Reconquista. Pelas lições até nós chegadas
tratar-se-ia de uma mercê feita àquele cruzado de forma individual mas
hereditária e justificada pelo facto do agraciado e seus parentes terem
participado de forma meritória na tomada da cidade de Lisboa aos muçulmanos. As
origens do senhorio franco da Lourinhã não estão tão bem documentadas como as
da Atouguia ou mesmo de Vila Verde dos Francos pois falta-nos a carta régia em
que se concedia aquela faixa litoral da Estremadura a sul da Atouguia a Jordão,
seu comprovado primeiro donatário e alcaide. De facto, o documento mais antigo
que possuímos para a história deste senhorio e concelho é o seu foral,
infelizmente não datado e que apenas conhecemos pela confirmação posterior do
seu teor levadas a cabo pelo terceiro rei de Portugal. O seu prólogo não deixa
porém dúvidas: identifica o texto como sendo o da carta de foral:
- "quam Domnus Jurdanus concedente illustri Rege domno Alfonso dedit populatoribus de Laurian tam presentibus quam futuris".
Temos, assim, Jordão
como provável primeiro senhor da Lourinhã e como certa a sua capacidade
reconhecida pelo primeiro rei de Portugal de outorgar uma carta de foro aos
seus pares e/ou súbditos. A ausência de outros testemunhos escritos tem levado
a que se deduza a primeira parte da evolução histórico-administrativa da
Lourinhã dos dados conhecidos e encarados como praticamente indiscutíveis para
a Atouguia. Daí que se não duvide normalmente da similitude das origens dos
dois senhorios. Pensa-se que a sua doação terá tido lugar em data próxima da
concessão da Atouguia a Guilherme de Cornibus, que terá tido como motivação o
reconhecimento do serviço prestado por Jordão também na conquista de Lisboa e
que o seu foral, elaborado pelo seu Senhor com o consentimento de Afonso
Henriques, deve ter sido elaborado pela mesma data em que Guilherme de Cornibus
outorgou forais aos dois grupos nacionais que povoavam a Atouguia, Francos e
Galegos». In Manuela Santos Silva, Reflexos das alterações políticas de finais
do século XIV em concelhos da Estremadura litoral, Conferência proferida no dia
29 de Abril de 1998 no Instituto de Documentação Histórica Medieval da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Documentos Medievais Portugueses.
Documentos Régios, Volume I, Tomo II.
Cortesia de Universidade
do Porto/JDACT