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O édito de expulsão e o baptismo forçado
«João II faleceu a 25 de Outubro de 1495, gorando as expectativas filo-semitas
que, apesar de tudo, parecia perfilhar. Seu filho, o príncipe Afonso, havia
perecido em Santarém quatro anos antes em consequência da queda de um cavalo.
Ficara o trono prematuramente sem sucessor, o reino vestido de luto, o
rei desalentado e a princesa D. Isabel, filha primogénita dos Reis Católicos,
desconsoladamente viúva após sete curtos meses de casamento, decidiu cortar os
seus cabelos louros e recolher-se definitivamente num convento. O sucessor, Manuel
I (1469-1521), que tinha integrado a comitiva que fora receber à fronteira a
candidata a rainha de Portugal, ficara encantado com a beleza da princesa
castelhana, o que explicará todos os esforços que desenvolveu para desposar a
viúva que perdera a oportunidade de vir a ser rainha de Portugal.
Manuel I foi feito rei nesse ano de 1495 e endereçou aos Reis Católicos
uma proposta de casamento com a viúva do desafortunado príncipe português. Após
as insistências de seus pais, que lhe fizeram ver os interesses do Estado
espanhol, a princesa acabaria por ceder ao alegado desinteresse em tal
matrimónio, mas impondo a Manuel I a condição de que expulsasse os judeus de
Portugal. O novel rei, não só cumpriria a promessa, como a excederia,
decretando também a expulsão dos mouros, uma desnecessidade óbvia, porquanto
nada representavam para o reino cristão, religiosa e etnicamente, ao contrário
da Espanha, que só em 1492 conquistou Granada.
A primeira decisão que o novo rei tomou em relação aos judeus ia no
sentido da tradição régia da generalidade dos seus antepassados: concedeu carta
de alforria aos judeus espanhóis feitos escravos na sequência da permanência no
reino após os oito meses acordados com João II. Aliás, igualmente ao que
acontecera com os seus predecessores, nutria um enorme respeito pela sabedoria
judaica, o que se verificava na afeição pelo famoso médico e matemático Abraham
Zacuto, o autor do “Alamanach perpetuum sex Ephemerides et tabulae septem
planetarium (1502)”, que se notabilizara em Cartago e Salamanca, onde os
cristãos não dispensavam os seus ensinamentos de astronomia. Manuel I nada
fazia sem o conselho autorizado de Abraham Zacuto, chegando mesmo a criar uma
cadeira de astronomia na Universidade, o que demonstrava a sua credulidade no
cientista judeu e não deixando de o consultar antes de enviar a expedição de Vasco
da Gama para a Índia, cuja partida ocorreria a 8 de Julho de 1497. É conhecida
a colaboração judaica, a vários níveis, científico, humano, comercial,
empreendedor, na empresa marítima portuguesa, o que atesta, por um lado, a sua
importância na sociedade e na economia portuguesas e, por outro, a continuidade
da política de tolerância em finais de quatrocentos, que prosseguiria, apesar
do “Édito de Expulsão de 1496”, em termos contraditórios, com o monarca Manuel
I.
As ambições políticas deste rei, que o levariam a desposar a cunhada,
chegavam, contudo ao trono espanhol. Também os Reis Católicos alimentavam
esperanças de unificar toda a península. O preço a pagar pela desmedida
pretensão manuelina seria elevadíssimo, quer para o reino português, quer para
os judeus. A exigência manifestada por D. Isabel quanto aos judeus espanhóis
decorreria, naturalmente, do projecto de seus pais de "limparem" a Ibéria
de judeus, o que estava bem patente no contrato de casamento com Manuel I,
lavrado em Agosto de 1497. O rei mostrava-se determinado no cumprimento de tal exigência,
estranha à política oficial portuguesa, mas, mesmo assim, resolveu reunir o seu
Conselho, onde as opiniões se dividiram. Os opositores ao intolerante decreto
argumentavam que os judeus eram autorizados a viver em Itália, na Hungria, na Alemanha,
na Boémia, na Polónia e até em Roma e que bem mais fácil seria convertê-los ao
cristianismo se convivessem no nosso seio do que se instalassem entre os
muçulmanos, onde lhes faltaria o ‘bom exemplo’. Além do mais, os inconvenientes
seriam significativos: eram numerosos no reino, eram os melhores artesãos,
melhores médicos, astrónomos e matemáticos e detinham assinalável riqueza, o
que iria favorecer os mouros em cujas terras se instalariam se fossem expulsos
de Portugal. Os partidários da expulsão recordavam os exemplos, no mesmo
sentido, da França da Inglaterra, da Escócia, da Dinamarca, da Noruega, da
Suécia e da Espanha, de onde haviam sido expulsos». In Breve História dos
Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN
978-972-699-920-1.
continua
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