Rua Nova dos Ingleses. Porto. Joseph Forrester
Fr e jdact
«Jane Smith, serviçal no castelo de Pentillie, em Landulph, na Cornualha,
registou William sem apelido de família, como sendo filho de pai incógnito, no
dia 20 de Maio de 1731. Só doze anos depois, tendo enviuvado, pôde Oliver
Stephens, professor, casar com Jane e criar a sua família, na qual nasceram mais
quatro filhos, Lewis, Jedediah, John James e Philadelphia. Vivendo então em
Exeter, William frequentou a escola local, onde, sob a orientação de um
professor recém-chegado de Oxford, aprendeu matemática e contabilidade, mas
também literatura e teatro. O pai, que tivera uma educação cuidada, pôde
acompanhá-lo nos estudos, mas a sua situação financeira não permitia uma
formação universitária. E assim, com quinze anos, William embarcou num navio
mercante com destino a Lisboa, onde iria ser aprendiz de um tio paterno que
aqui tinha o que hoje chamaríamos um escritório de contabilidade.
William sentiu-se bem no seio da Feitoria Inglesa, onde os negociantes
prosperavam graças a grandes privilégios sancionados principalmente pelo ‘tratado
de Methuen’, de 26 de Dezembro de 1703. Essa situação, que permitiu a William o
convívio com figuras destacadas tanto da comunidade inglesa como da sociedade
portuguesa, suscitava má-vontade da parte dos comerciantes nacionais, que ao
longo da vida lhe levantaram grandes problemas, que só a protecção do marquês
de Pombal e de outros governantes que se lhe seguiram pôde contornar. Mas o tio
declarou falência em l750, e só no ano seguinte William conseguiu organizar a sua
vida como representante de George Medley, um membro da Feitoria que regressou
ao seu país e o deixou, juntamente com outro rapaz, responsável pelo seu
negócio de exportação de vinho, fruta e sal. A sua prosperidade levou a que
fosse eleito membro da Feitoria, em1752, mas a situação viria a ser seriamente
afectada pelo terramoto de 1755, que, por outro lado, abriu nova saída para a
sua actividade.
A situação política portuguesa sofrera alterações desde a sua chegada a
Portugal, e o terramoto deu um inesperado destaque à figura do ministro de José
I, Sebastião José de Carvalho e Melo, a quem o rei incumbiu de reorganizar a
vida das populações afectadas pelo terramoto e a reconstrução de Lisboa. William,
que, como a maioria dos membros da Feitoria, vivia em precárias circunstâncias,
tanto de alojamento como financeiras, pois Medley fechara a sua casa de Lisboa,
viu no projecto da nova cidade uma hipótese de negócio. Para essa reconstrução
iam ser precisas grandes quantidades de materiais, e ele investigou as técnicas
necessárias àquele que lhe pareceu mais imediato, a cal, de que havia alguns
produtores mas sem grande qualidade. Das suas investigações, ficou a saber que
era essencial o tipo de combustível para os fornos da cal. Em vez de madeira de
pinho, como então se praticava, devia utilizar-se carvão de pedra, que teria
que mandar vir do País de Gales para os fornos a construir em Alcântara, que
lhe pareceu a melhor zona, entre outras razões pela proximidade de Lisboa e por
dar acesso a um vale que facilitaria o transporte da cal.
Entusiasmado com o projecto, o Ministro deu-lhe o seu aval, e o Rei
assinou uma concessão por quinze anos, com um empréstimo que permitiu a William
alugar uma casa perto do que seriam os fornos e para onde foi viver com o tio,
que se encarregaria da contabilidade. Os fornos a construir implicavam uma nova
tecnologia e melhores resultados do que os da produção tradicional. Começaram a
funcionar em meados de 1758, mas foi complicado resolver a situação do
combustível inglês, sobre o qual o Tesouro, pouco informado das circunstâncias,
começou por lançar um imposto que tornava o projecto impraticável. Resolvido esse
problema, os primeiros resultados foram extremamente positivos, mas a situação
política interna e externa obrigou à suspensão das obras em Lisboa, e mais uma
vez William se viu numa situação desesperada.
Entretanto, nunca perdera o contacto com a família e declarara a sua
intenção de receber e apoiar os irmãos. Quando os pais decidiram aceitar a
oferta, William estava falido, mas sem coragem de o declarar, e fez o que lhe
era possível para organizar a vida dos quatro irmãos em Lisboa: Lewis e Jedediah
seriam aprendizes em casas comerciais inglesas, e Philadelphia e John James,
que fora preparado na escola do Christ's Hospital de Londres para as
actividades profissionais do comércio, ficariam a viver com ele, numa situação
só possível pelo apoio que lhe deram os membros da Feitoria.
No Verão de l764, o futuro marquês de Pombal pôde retomar o projecto de
reconstrução de Lisboa e iniciar finalmente um percurso que viria a fazer de
William e depois do irmão John James donos de uma considerável fortuna. Sempre atento,
William conseguiu renovar os períodos de isenção de impostos, contando com o
apoio do Ministro, não obstante a má-vontade que existia entre ele e os
ingleses, em torno dos privilégios de que estes desfrutavam e que aquele
tentava cercear». In Maria Leonor Machado Sousa, Os Stephens da Marinha Grande,
Fundação Robinson, Famílias inglesas e a economia de Portugal, Publicações da
Fundação Robinson, 4, Portalegre, 2009.
Cortesia da F. Robinson/JDACT