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Conforme o original
O prior do Hospital
«Outra Palestina foi a
Hespanha, avassallada também pelo Islam ; e por isso os exércitos cruzados
paravam aqui, nas derrotas das suas viagens do mar do Norte para o
Mediterrâneo; por isso as ordens hyerosalemitanas, que tamanho papel tiveram na
fundação de Portugal, se enraizaram, engrandecendo-se. Expulsos da Palestina os
hospitalários com a conquista da Terra-Santa pelos egypcios (1201), levaram para
Chypre o seu tabernáculo; mas também d'ahi foram repellidos, indo
estabelecer-se em Rhodes (1310).
NOTA: Os hospitalários ficaram
em Rhodes até á conquista da ilha pelos turcos de Solimão, em 1530. Carlos V
deu-lhes então a ilha de Malta, d'onde os cavalleiros se ficaram chamando posteriormente,como
antes se tinham dito de Rhodes.
N'esta época, porém, a ‘lingoa’
de Portugal soffrera uma revolução profunda, desde que el-rei Diniz I nacionalizara
as ordens hyerosalemitanas, colocando-as sob a sua autoridade real, e
transferindo para a cavallaria de Christo os bens do Templo, abolido por
Clemente V. Já o Hospital era entre nós uma milícia particularmente portugueza,
sujeita á coroa, como as ordens monásticas não militares, embora no espiritual ligada
ao grão-mestrado, quando o prior fr. Álvaro Gonsalves foi a Rhodes, «muy grandemente
e bem acompanhado», tributar o seu preito de vassallagem.
Mas por isso mesmo que a
ordem se tornara portugueza, era no concurso das forças politicas da nação um dos
elementos preponderantes, não havendo talvez na corte cargo mais invejado, nem de
maior valia, do que o priorado do Hospital. Entrando em Portugal em 1119, no tempo
de el-rei Affonso Henriques, a ordem recebera d'este rei e dos seus successores
a doação de vinte e uma villas e logares.
Os seus domínios
concentravam-se no centro do reino, sobre o curso do Tejo e do Zêzere, alongando
para o sul um braço, e para o norte outro:
- o primeiro era Montoito, a igual distancia de Évora e do Guadiana;
- o segundo eram Lobelhe-do-Matto e Ranhados, entre Vizeu e o Mondego.
Dominando o valle do Zêzere,
no curso médio da sua margem direita, possuíam os hospitalários Alvares e a Pampilhosa,
fronteiros aos quaes ficavam na margem esquerda os castellos de Oleiros e do
Pedrogão-pequeno. A Certan e o Bomjardim, com Proença-a-nova mais para leste, aninhada
no alto dos montes que dividem as aguas do Zêzere das do Tejo, continuavam em direcção
d'este rio as parelhas de castellos da ordem. Depois vinha o Carvoeiro, numa dobra
do pendor austral do terreno; depois Belver, a cavaleiro sobre a margem direita
do Tejo, em frente do Gavião ; depois, acima do Gavião e do lado de Villa-Flor,
o castello da Amieira, construído pelo prior fr. Álvaro Gonsalves;
depois Tolosa; depois o
Crato, com Flôr-da-Rosa, e Elvira e a commenda de Cores, e o logar de Aguilheiro,
e o concelho da Margem, e o couto da Coutada, e o casal do Monte, e a villa de Ferrajos,
com vinte e quatro comendas. Tal era, pois, a familia
em que nasceu Nun'alvares.
A mãe, quando em dezembro
de 1372 viu a luz em Coimbra a infanta D. Beatriz, fora feita sua cuvilheira.
NOTA: Na casa da infanta
eram aias D. Theresa de Meira, mulher do alcaide-mór de Portel, e Violante Affonso,
viuva de Diogo Gomes de Abreu. Camareira-mór, era Maria Affonso, mulher de Vasco
Martins de Melo. Cuvilheira, era a amante do prior do Hospital, cujas relações continuaram.
Outros querem que Iria Gonsalves
fosse filha de Álvaro Gil do Carvalhal, dos senhores de Evora-monte.
Andava, pois, na corte d'el-rei
Fernando, onde o exemplo dado pelo soberano, que tirara Leonor Telles a seu marido,
sanccionava a licença dos costumes do tempo. Andava na corte, e lá continuou a ficar:
nem o prior hospedava nos mosteiros da ordem as successivas mães dos seus trinta
e dois bastardos. Filha do alcaide-mór de Almada, Pedro Gonsalves do Carvalhal,
que tinha também na corte um filho, Martim Gonsalves, não era nenhuma creatura humilde,
sem ser, porém, dama de alta gerarchia.
Em 1373, na época a que nos estamos referindo, contava
Nun'alvares treze annos, com a virilidade precoce. Os homens formavam-se muito
mais breve n'esses tempos agrestes, de uma barbárie alliada, porém, aos
requintes e contradicções inherentes ao periodo de civilisação confusa a que se
chama Edade-média. Chocavam-se os elementos de creação espontânea, de violência
pristina e barbara, próprios de povos que emergiam do captiveiro musulmano ao som
da guerra, por entre os escombros da civilisação antiga, derruida por completo
na Hespanha á mão dos árabes: chocavam-se com as tradições, com as ruinas, com os
restos dispersos e pervertidos d'essa Antiguidade, que parecia ás imaginações ter
acabado afogada no sangue de Christo. A egreja era o vehiculo da tradição clássica,
e também por isso mesmo, a auctoridade suprema, como representante, na terra, do
poder de um Deus temido. Os ministros da religião dominavam as almas por um processo
de auto-intimidação, semelhante ao dos feiticeiros primitivos; e se a barbarisação
do pensamento e do saber frequentemente rebaixava os dogmas theologicos e os cânones
rituaes até ao nivel da feiticeria simples: a violência dos costumes levava os sacerdotes
a envergar também a armadura e a empunhar a espada, apparecendo soldados n'uma sociedade
essencialmente guerreira». In
Oliveira Martins, A Vida de Nun'Alvares, História do estabelecimento da
dinastia de Avis, Livraria de António Maria Pereira, Editor, 1893.
Cortesia de
Makew Parr Collection/Magellan and the Age of Discovery/Presented to Brandies
University, 1961/JDACT