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Texto de PieroVaglienti sobre Toscanelli
«E di causa e opera n'è principal cagione uno dottore in medicina,
nostro fiorentino, el quale prima di strologia e di segnali de’cieli avendo in
ciò molto perduto tempo, vidde e conobbe che non era sopra alla terra uomo che
me’potese in ciò travaglisarsi con più suo comodità di tal viaggio fare e
mettere in opera, che la Maestà de’re di Portogallo: e questo fu maesto Pagolo
dal Pozzo Toscanelli, uomo singularissimo, el quale avvisò a uno nostro Fiorentino
era in suo corte, nominato Bartolomeo Marchionne, di tal tratto. E lui ne fece avisato suo Maesta (...).
Tradução:
E de tal causa e obra foi principal ocasião um doutor em medicina,
nosso concidadão florentino, o qual havendo primeiramente perdido assaz de
tempo com a astrologia e os sinais do céu, viu e conheceu que não havia sobre a
terra homem que se pudesse melhor disso trabalhar nem com mais comodidade sua tal
viagem fazer e pôr em obra que a majestade del-rei de Portugal; e esse foi
mestre Paulo dal Pozzo Toscanelli, homem singularíssimo, o qual avisou um nosso
florentino que estava em sua corte, chamado Bartolomeu Marchione, de tal trato.
E ele fez saber a sua majestade (...).
Bartolomeu Marchione veio para Portugal em inícios de 1470 e manteve
estreitas relações com Florença pelo que nos poderemos perguntar se não teria
sido ele quem trouxe em 1474 a carta de Toscanelli, sendo tal hipotético acto
que teria levado a ficar recordado em Florença de uma forma vaga na sua
associação com a ida dos portugueses à Índia. De outra forma não teria sido
mencionado o seu nome através desta associação a Portugal e ao projecto das
Índias, ainda que a observação de Vaglienti se revele de uma forma deturpada,
pois não foi a proposta que preconizava Toscanelli a adoptada pelos reis
portugueses.
A enorme importância histórica da carta de Toscanelli deriva não apenas
do facto de ter sido o conhecimento do seu conteúdo que terá constituído o factor
decisivo a contribuir para a génese do projecto de Colombo que o levaria à América,
mas também porque permite perceber melhor a História dos Descobrimentos ao revelar
que em 1474 se voltara a colocar em Portugal a questão de saber qual a melhor
orientação a seguir no descobrimento de um caminho que pudesse levar os
portugueses a chegar à Ásia das especiarias por via marítima.
A tese que defendia a opção por uma via ocidental para chegar à Asia
tal como foi expressa na carta de Toscanelli sistematizava, e precisava noções
de autores anteriores, algumas das quais já poderiam estar a ser equacionadas
no tempo do infante Henrique.
Antes de continuar a problematizar os antecedentes e consequências da
carta de Toscanelli escrita em Florença a 25 de Junho de 1474 convém apresentar
a transcrição da sua parre inicial, acompanhada da respetiva tradução portuguesa.
Início da carta de Toscanelli de 25 de Junho de 1474
Ferdinando martini canonico vlixiponensi paulus phisicus salutem. De
tua valitudine de gratia et familiaritate cum rege vestro generosissimo magnificentissimo
principe iocundum mihi fuit intelligere.
[…]
Tradução completa:
A Fernando Martins, cónego de Lisboa, Paulo físico saúda. Foi-me grato
inteirar-me de tua boa saúde e de estares no favor e na familiaridade do vosso
rei, príncipe muito generoso e magnificentíssimo. Falei contigo em outras
ocasiões acerca de um caminho mais rápido para chegar aos lugares da especiaria
por navegação marítima do que aquele que fazeis pela Guiné. Agora pede-me o sereníssimo
rei uma declaração ou, melhor, uma demonstração à vista para que inclusive os
medianamente instruídos possam seguir e compreender esse caminho. E eu, ainda
que saiba que isso se pode mostrar por uma representação esférica, tal como é o
mundo, contudo, para facilitar a compreensão e também para aliviar o trabalho
de ensinar esse caminho, decidi-me a declará-lo da forma como se fazem as cartas
de marear. Envio portanto a sua majestade uma carta feita com as minhas mãos, na
qual se marcam vossa costa e as ilhas de onde deveis começar a viagem sempre em
direcção ao poente (...).
A proposta aqui apresentada era contrária à prática até então seguida em
Portugal de proceder à circum-navegação de África, pois aconselhava os
portugueses a dirigirem-se à Ásia, rumando directamente a ocidente. Esta ousada
estratégia não foi adoptada pelas autoridades portuguesas, que preferiram
continuar a seguir uma via oriental iniciada algumas décadas antes e que teve
sucesso quase vinte e quatro anos depois de redigida esta carta». In José
Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das
Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
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