quarta-feira, 6 de junho de 2012

Bordalo e a Caricatura. Manuel de Sousa Pinto. O Caricaturista. Rafael Bordalo Pinheiro. «Da educação dessa prole abundante cuidou o afectuoso pai com esmero, diligenciando encarreirar a maioria dos filhos para a arte e as suas alegrias mais puras, insistindo em lhes comunicar o gosto entusiástico do trabalho, de que toda a sua vida é exemplo constante»


M. M. Bordallo Pinheiro
Cortesia de wikipedia

Bordalo e a Caricatura. O Fundador da Dinastia
«A dinastia insigne dos Bordalo Pinheiro, que tão fulgentemente haveria de dar à historia artística portuguesa alguns dos seus mais belos nomes, teve origem no matrimónio de Manuel Félix de Oliveira Pinheiro, jurisconsulto abalizado e primeiro presidente da Associação dos Advogados, de Lisboa, com D. Jacinta Adelaide Herculana Bordallo Alvares e Astúrias, em cujos apelidos não é difícil entrever reminiscências de antiquíssima nobreza espanhola.
Dos filhos desse casal foi o mais ilustre Manuel Maria Bordalo Pinheiro, o qual, reagindo contra a tradição jurídica da família paterna, deixando em paz códigos e escrivãos, abriu novos rumos á sua actividade e à dos seus descendentes, compelindo o gládio justiceiro e a toga diligente dos Oliveiras e Pinheiros a ceder a vez ao lápis jocoso, aos pincéis luminosos, aos mágicos bilros, às deliciosas faianças, à blusa criadora dos Bordalos.
Pintor, escultor, gravador em madeira, ilustrador, figurinista, escritor, burocrata, amador de música e amigo de viajar, Manuel Maria Bordalo Pinheiro evidencia-se no século XIX como um dos mais curiosos representantes da arte romântica em Portugal, e à sua obra variadíssima vai sendo tempo de a arrancar do olvido que imerecidamente a traz sonegada do exame e contemplação das gerações actuais.
Não me compete dizer minuciosamente, neste reduzido ensaio, do valor e alcance da produção bastante numerosa, apreciável e desigual do autor do “Bibliophilo”, do “Pasteleiro de Belém”, do “Reclamo”, da “Prova do vinho novo”, do “Sapateiro propheta”, da “Chávena de café”, nem seguir o ilustrador de Garrett e, com ele, co-fundador do ‘Jornal das Bellas Artes’, através dos múltiplos aspectos da sua vida laboriosa de artista, soldado, chefe de família, funcionário público e viajante, que, no sentido necrológio do “António Maria”, Guilherme d 'Azevedo sintetizou deste modo:
  • «Contemplar o seu longo trabalho acumulado, é contemplar o homem. Conhece-se logo que foi inspirado pela musa da bondade, essa musa sem categoria mitológica, mas que é a mais digna do nosso tempo; a musa dos trabalhadores honestos e dos lutadores honrados, a musa dos sábios e a musa dos fortes. E a sua fisionomia recompõe-se, anima-se o escopro do artista, a palheta iria-se de cores e nós, em virtude de uma estranha evocação, continuamos a vê-lo naquela serenidade cheia de doçura e de modéstia, que é característico especial duma acentuada organização artística que, tendo feito da arte um apostolado, soube viver para ela e morrer com ela, cheio de uma dedicação antiga como os honestos artistas da Renascença!».
O estatuário do busto de Camões que está na gruta de Macau, figura aqui simplesmente como tronco robusto da árvore bordalenga, é de Fialho o adjectivo, cumprindo reconhecer que não constitui a sua menor glória esse privilegiado tino de suscitador e cultivador de vocações artísticas com que, se os não formou inteiramente, encaminhou, amparou na vacilância fatal dos primeiros passos, os talentos eleitíssimos de três dos seus filhos.


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Nascido em Lisboa a 28 de Novembro de 1815, tendo tido por primeiro mestre o escultor Feliciano José Lopes, um dos ajudantes do longevo Machado de Castro, passando depois a ser discípulo do miniaturista Luiz José Pereira Resende, e recebendo por último as lições de António Manuel da Fonseca, Manuel Maria Bordalo Pinheiro, convicto apreciador das virtudes e encantos familiares, casara novo com D. Maria Augusta Prostes que, cumprindo santamente a norma conjugal das boas esposas de outrora, lhe deu doze descendentes, dos quais três morreram crianças.
Entre os nove restantes houve quatro damas e cinco varões. Chamaram-se as primeiras: D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro, a primogénita, futura construtora dessas subtis maravilhas da renda portuguesa que às mulheres de hoje competiria amarem como as dos lusos nautas da epopeia devem ter amado a espuma das ondas gloriosas que das remotas aventuras lhos traziam; D. Maria José Bordalo Pinheiro Prostes; D. Filomena Bordalo Travassos Valdez; e D. Amélia Bordalo Pinheiro, casada com o dramaturgo da “Morta” e do “Duque de Vizeu”, Henrique Lopes de Mendonça, e já falecida. Os filhos foram: Raphael Bordalo Pinheiro, o notabilíssimo artista, que motiva estas páginas; Feliciano Bordalo Pinheiro, também já falecido; o Manuel Bordalo Pinheiro; o grande pintor Columbano; e Thomaz Bordalo Pinheiro, ilustre professor e delineador de máquinas.
Da educação dessa prole abundante cuidou o afectuoso pai com esmero, diligenciando encarreirar a maioria dos filhos para a arte, a que ele devia os mais estimados galardões e as suas alegrias mais puras, insistindo em lhes comunicar o gosto entusiástico do trabalho, de que toda a sua vida é exemplo constante, e sonhando com que um dos seus herdeiros viesse, na magistratura ou na advogacia, a prolongar os pergaminhos judiciais dos avós.
Com respeito à excelência dos critérios didácticos do Meissonier lusitano, que em 1851 visitara a Exposição Internacional de Londres, demorando-se depois em Paris a copiar imparcialmente Ingres e Delacroix, os dois corifeus rivais, há vários indícios concludentes.
Oscilando entre o inveterado amor do antigo e uma palpitante ânsia de novidade, cujo justo equilíbrio, sem lograr reflectir-se inteiramente na obra do pintor do “Tributo das cem donzelas” e do “Copo d’água", determinou, contudo, no seu espírito esclarecido um sensato e tolerante eclectismo, Manuel Maria Bordalo dispunha de coragem bastante para em 1872, em plena maré viva de credos exclusivistas, traçar, num breve estudo sobre o “Movimento artístico da Península”, estas inteligentes palavras:
  • Mil modos há para representar a natureza, haja um pensamento feliz realizado sobre a tela, seja ele expressado com sentimento, correcção e harmonia, que importa o mais?
In Raphael Bordallo Pinheiro, O Caricaturista, desenhos escolhidos por Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, Bordalo e a Caricatura, Estudo de Manoel de Sousa Pinto, Livraria Ferreira, Lisboa, 1915, Library University of Toronto, 1968-73.



Cortesia de Livraria Ferreira/JDACT