domingo, 3 de junho de 2012

O Sebastianismo - História Sumária. José Van Den Besselaar. «O sebastianismo é um assunto mais discutido que estudado. O que constitui a história do sebastianismo não é tanto um encadeamento de guerras, revoluções e batalhas, como uma série de escritos propagandísticos e polémicos, originados pelas circunstâncias variáveis das diversas épocas»



Cortesia de wikipedia

Natureza e Raízes Históricas do Sebastianismo
«O sebastianismo é uma espécie de messianismo.
Na acepção secularizada de hoje, a palavra «messianismo» designa geralmente a cega fé das massas populares num líder político, julgado capaz de acabar com os abusos existentes e de inaugurar uma nova era de bem-estar geral. Seria um anacronismo se interpretássemos o sebastianismo dos séculos passados neste sentido. Sem dúvida, aos sebastianistas não faltavam nem a fé obstinada na vinda de um imperador carismático, nem a esperança inabalável no estabelecimento de uma nova ordem política e social.
Mas essa fé e essa esperança estavam, para eles, integradas numa visão nitidamente religiosa da história. O tipo de messianismo a que pertence o sebastianismo português é próprio de uma sociedade ainda não secularizada, digamos (embora o termo se preste a mal-entendidos) uma sociedade «sacral». Nela, todas as áreas da vida individual e colectiva parecem directa e constantemente permeáveis à actuação do mundo sobrenatural. Tal messianismo é inconcebível sem uma fé religiosa, professada pela grande maioria da sociedade. Não é estritamente necessário que a religião seja judaica ou cristã. A etnologia moderna mostrou que existem também movimentos messiânicos fora do âmbito da Bíblia.

Natureza do messianismo
O messianismo próprio de uma sociedade «sacral» é a crença mais ou menos generalizada na vinda de um Deus ou de um Enviado de Deus, que salvará o seu povo oprimido. O verbo «salvar» tem aqui dois sentidos. No sentido negativo, quer dizer que o Messias ou Salvador livrará o seu povo de opressores externos e internos. No sentido positivo, significa que Ele lhe trará a salvação, isto é, a saúde, a paz, a prosperidade e a felicidade. A salvação por que se anseia não se situa no além-túmulo, mas neste mundo: o messianismo é uma esperança histórica.
O povo oprimido pode ser uma nação inteira, ou uma determinada classe da sociedade: existe não só um messianismo nacional, como também um messianismo social. Aquele foi, quase sem excepção, o caso do sebastianismo português, ao passo que este marcou os movimentos messiânicos que no século XIX ocorreram no Brasil. O povo (ou a classe social) que nutre esperanças messiânicas tem, por via de regra, a ideia de ser um «povo eleito» ou privilegiado pelo Céu. Esta pode levá-lo a uma atitude etnocêntrica, e até megalómana e agressiva. Mas pode ser também que o messianismo nacional ou social evolucione para um certo ecumenismo: o povo eleito, embora reivindique para si um lugar privilegiado, julga-se detentor de uma mensagem universal e de uma missão histórica válidas para todos os povos.
E, finalmente, o messianismo é um fenómeno tanto apropriado a fomentar a inércia e a inactividade dos indivíduos, como a estimular-lhes iniciativas particulares e actos de heroísmo. A esperada intervenção do Céu pode paralisar-lhes a actividade, mas pode também incentivá-los a preparar o solo terrestre para a irrupção de Deus na história.

O messianismo cristão
O termo «Messias» é notoriamente de origem bíblica. É a forma helenizada de uma palavra hebraica que significa «Ungido» e tem por equivalente, na língua grega, a palavra «Cristo». No Velho Testamento, o vocábulo «Messias» é quase sempre designativo de reis e sacerdotes, categorias de pessoas que no antigo Israel costumavam ser «ungidas». Desde o século I a. C., a palavra passou a indicar também o «Salvador», desde muito tempo prometido ao povo eleito. Os cristãos viram essa promessa cumprida na pessoa de Jesus de Nazaré, que reunia em si as qualidades de rei e sacerdote: Jesus Cristo. Mas não só o termo «Messias» deriva da Bíblia:
  • também os numerosos movimentos messiânicos que marcaram a história da cristandade europeia têm origem nitidamente bíblica. Todos os messianistas da Europa baseavam as suas esperanças em textos bíblicos, interpretando-os à luz das suas aspirações e completando-os com outros textos proféticos.
As raízes bíblicas do messianismo ocidental são inegáveis, não havendo ninguém que as ponha em dúvida. As esperanças messiânicas, tanto dos judeus, como dos cristãos, estavam ancoradas nos livros sagrados. Que o messianismo ainda exista entre os judeus não é de estranhar. O que poderíamos estranhar é a subsistência de esperanças messiânicas entre os cristãos, para os quais a salvação efectuada por Jesus Cristo é facto único e definitivo. Acontece, porém, que também no Novo Testamento encontramos alguns textos que parecem legitimar certo messianismo cristão, sobretudo, no Apocalipse de São João, o último dos livros canónicos da Bíblia. Este livro fala num período de mil anos em que Satanás ficará amarrado, e Cristo reinará com os que «não adoraram a Besta». Terminado este período, Satanás será solto, e com a ajuda de Gog e Magog seduzirá as nações até acabar por ser devorado pelo fogo. Depois se seguirá o Juízo Final». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria Bertrand, 1987.


Cortesia de CV Camões/JDACT