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Natureza e Raízes Históricas
do Sebastianismo
«O sebastianismo é uma
espécie de messianismo.
Na acepção secularizada
de hoje, a palavra «messianismo» designa geralmente a cega fé das massas populares
num líder político, julgado capaz de acabar com os abusos existentes e de
inaugurar uma nova era de bem-estar geral. Seria um anacronismo se interpretássemos
o sebastianismo dos séculos passados neste sentido. Sem dúvida, aos
sebastianistas não faltavam nem a fé obstinada na vinda de um imperador carismático,
nem a esperança inabalável no estabelecimento de uma nova ordem política e
social.
Mas essa fé e essa
esperança estavam, para eles, integradas numa visão nitidamente religiosa da
história. O tipo de messianismo a que pertence o sebastianismo português é
próprio de uma sociedade ainda não secularizada, digamos (embora o termo se
preste a mal-entendidos) uma sociedade «sacral». Nela, todas as áreas da vida
individual e colectiva parecem directa e constantemente permeáveis à actuação
do mundo sobrenatural. Tal messianismo é inconcebível sem uma fé religiosa,
professada pela grande maioria da sociedade. Não é estritamente necessário que
a religião seja judaica ou cristã. A etnologia moderna mostrou que existem
também movimentos messiânicos fora do âmbito da Bíblia.
Natureza do messianismo
O messianismo próprio de
uma sociedade «sacral» é a crença mais ou menos generalizada na vinda de um Deus
ou de um Enviado de Deus, que salvará o seu povo oprimido. O verbo «salvar» tem
aqui dois sentidos. No sentido negativo, quer dizer que o Messias ou Salvador
livrará o seu povo de opressores externos e internos. No sentido positivo,
significa que Ele lhe trará a salvação, isto é, a saúde, a paz, a prosperidade
e a felicidade. A salvação por que se anseia não se situa no além-túmulo, mas
neste mundo: o messianismo é uma esperança histórica.
O povo oprimido pode ser
uma nação inteira, ou uma determinada classe da sociedade: existe não só um messianismo
nacional, como também um messianismo social. Aquele foi, quase sem excepção, o
caso do sebastianismo português, ao passo que este marcou os movimentos
messiânicos que no século XIX ocorreram no Brasil. O povo (ou a classe social)
que nutre esperanças messiânicas tem, por via de regra, a ideia de ser um «povo
eleito» ou privilegiado pelo Céu. Esta pode levá-lo a uma atitude etnocêntrica,
e até megalómana e agressiva. Mas pode ser também que o messianismo nacional ou
social evolucione para um certo ecumenismo: o povo eleito, embora reivindique para
si um lugar privilegiado, julga-se detentor de uma mensagem universal e de uma
missão histórica válidas para todos os povos.
E, finalmente, o
messianismo é um fenómeno tanto apropriado a fomentar a inércia e a
inactividade dos indivíduos, como a estimular-lhes iniciativas particulares e
actos de heroísmo. A esperada intervenção do Céu pode paralisar-lhes a
actividade, mas pode também incentivá-los a preparar o solo terrestre para a
irrupção de Deus na história.
O messianismo cristão
O termo «Messias» é
notoriamente de origem bíblica. É a forma helenizada de uma palavra hebraica
que significa «Ungido» e tem por equivalente, na língua grega, a palavra
«Cristo». No Velho Testamento, o vocábulo «Messias» é quase sempre designativo
de reis e sacerdotes, categorias de pessoas que no antigo Israel costumavam ser
«ungidas». Desde o século I a. C., a palavra passou a indicar também o
«Salvador», desde muito tempo prometido ao povo eleito. Os cristãos viram essa
promessa cumprida na pessoa de Jesus de Nazaré, que reunia em si as qualidades
de rei e sacerdote: Jesus Cristo. Mas não só o termo «Messias» deriva da
Bíblia:
- também os numerosos movimentos messiânicos que marcaram a história da cristandade europeia têm origem nitidamente bíblica. Todos os messianistas da Europa baseavam as suas esperanças em textos bíblicos, interpretando-os à luz das suas aspirações e completando-os com outros textos proféticos.
As raízes bíblicas do messianismo ocidental são inegáveis, não havendo
ninguém que as ponha em dúvida. As esperanças messiânicas, tanto dos judeus,
como dos cristãos, estavam ancoradas nos livros sagrados. Que o messianismo
ainda exista entre os judeus não é de estranhar. O que poderíamos estranhar é a
subsistência de esperanças messiânicas entre os cristãos, para os quais a
salvação efectuada por Jesus Cristo é facto único e definitivo. Acontece,
porém, que também no Novo Testamento encontramos alguns textos que parecem
legitimar certo messianismo cristão, sobretudo, no Apocalipse de São
João, o último dos livros canónicos da Bíblia. Este livro fala num período de mil
anos em que Satanás ficará amarrado, e Cristo reinará com os que «não adoraram
a Besta». Terminado este período, Satanás será solto, e com a ajuda de Gog e Magog
seduzirá as nações até acabar por ser devorado pelo fogo. Depois se seguirá o
Juízo Final». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo História Sumária,
Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve
/Volume 110, Livraria Bertrand, 1987.
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