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O Interesse pelo Norte de África
«A conquista de Ceuta, chave do estreito de Gibraltar e da expansão
para a África do Norte, visava a afirmação da dinastia de Avis, consolidar a
independência portuguesa no contexto peninsular e criar um espaço de
valorização económica e social aos Portugueses. A presença lusitana em Marrocos
alargou-se quando, no princípio do século XVI, Manuel I senhoreou vastas áreas
de mouros de pazes. A Igreja apoiou a guerra porque a África já tinha sido
cristã e por desejo missionário pregado pelos franciscanos e dominicanos.
Ao conseguir a independência portuguesa perante a dinastia de Avis
procurou alargar as fronteiras do Reino para criar um novo padrão de segurança
ao território luso e um horizonte de afirmação política e de expansão económica
e social aos Portugueses. A grandeza dos recursos utilizados e embarcados em
1415, o cuidado posto na preparação da empresa que se iniciou cerca de seis
anos antes e, sobretudo, a qualidade das pessoas que tomaram parte na
expedição, entre as quais figuravam o Rei, os três filhos mais velhos e grande
número dos principais fidalgos, são dados que certificam o êxito antevisto para
um projecto de largo alcance nacional. A indecisão quanto ao destino final a
atingir, o segredo que foi possível manter e o debate em Ceuta sobre o abandono
ou permanência na cidade espelham, por formas diferentes, as dificuldades em
admitir um objectivo de contorno preciso para o empreendimento, seja ele
tingido pelo ideário medieval de cavalaria, da busca de cereais ou ouro,
resultado dos interesses de um grupo social, como a nobreza ou a burguesia, ou
simples cruzada contra o infiel.
A fronteira portuguesa estava já bem definida naquela época e a
possibilidade de fazer a guerra entre Estados Cristãos era limitada. As potencialidades
da colonização das ilhas atlânticas e dos territórios africanos a sul do
Bojador eram ainda quase desconhecidas. As iniciativas que visassem a expansão
do poder da monarquia portuguesa tinham de limitar-se ao ataque às terras dominadas
pelos Muçulmanos: os reinos de Granada e de Fez, este último designado,
frequentemente, por Berberia.
A guerra com Granada apresentava uma dificuldade maior. O direito de
conquista dos lugares submetidos aos Mouros exercia-se no sentido dos
meridianos e, por isso, aquele território era reservado aos reis de Castela por
se encontrar na sua fronteira meridional. Além disso, o desaparecimento do
reino de Granada aumentaria a força de Castela, já então potência hegemónica no
solo ibérico. A opção pela África do Norte impunha-se, portanto, aos desígnios
expansionistas portugueses. Ceuta, chave do estreito de Gibraltar,
apresentava-se como lugar de eleição pela facilidade do ancoradouro e de defesa
que oferecia a situação da cidade no istmo que ligava o morro de Almina ao
continente africano. Desde o século XIII, as potências cristãs da Península
haviam previsto a reconquista da África do Norte. Apesar da indefinição dos
limites, Ceuta tinha sido, na linha oriental do Magrebe, o último lugar aberto
à iniciativa portuguesa aceitável pelo ‘direito de conquista’ dos restantes
países ibéricos, nomeadamente Castela. Ao ocupar Ceuta, Portugal ia tão longe
quanto possível na reserva de espaços ao seu ulterior projecto expansionista. Finalmente,
a posse de Ceuta privava o reino de Granada do seu melhor porto de ligação com
a Berberia; era, pois, trunfo de grande valor a ser exibido perante Castela e
aos atentos dos restantes reinos cristãos e do papa.
A intervenção de João Afonso, vedor da Fazenda, ao sugerir Ceuta como
alvo da ambição expansionista portuguesa, ilustra a importância que alguns
ministros assumiam na alvorada dos tempos modernos. O seu esforço em contribuir
para um melhor conhecimento da localização de Ceuta, em particular a situação
do porto e o sistema de defesa, insere-se na definição de uma estratégia por
parte dos homens de Estado, preocupados com o planeamento racional da acção
política e militar, com a gestão dos recursos e com os resultados económicos
das opções preferidas. A conquista de Ceuta, em 1415, era uma empresa de grande
vulto para os parcos recursos de que Portugal então dispunha. O segredo de que
se rodeou a expedição e a força política do rei e do seu Conselho restrito
permitem considerar João Afonso como um lídimo representante ao Estado dirigido
por João I». In António Dias Farinha, Os Portugueses em Marrocos, Instituto
Camões, Colecção Lazúli, IAG, Artes Gráficas, ISBN 972-566-206-7.
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