segunda-feira, 4 de junho de 2012

Os Portugueses em Marrocos. António Dias Farinha. «A intervenção de João Afonso, vedor da Fazenda, ao sugerir Ceuta como alvo da ambição expansionista portuguesa, ilustra a importância que alguns ministros assumiam na alvorada dos tempos modernos. O seu esforço em contribuir para um melhor conhecimento da localização de Ceuta…»



Cortesia de wikipedia

O Interesse pelo Norte de África
«A conquista de Ceuta, chave do estreito de Gibraltar e da expansão para a África do Norte, visava a afirmação da dinastia de Avis, consolidar a independência portuguesa no contexto peninsular e criar um espaço de valorização económica e social aos Portugueses. A presença lusitana em Marrocos alargou-se quando, no princípio do século XVI, Manuel I senhoreou vastas áreas de mouros de pazes. A Igreja apoiou a guerra porque a África já tinha sido cristã e por desejo missionário pregado pelos franciscanos e dominicanos.
Ao conseguir a independência portuguesa perante a dinastia de Avis procurou alargar as fronteiras do Reino para criar um novo padrão de segurança ao território luso e um horizonte de afirmação política e de expansão económica e social aos Portugueses. A grandeza dos recursos utilizados e embarcados em 1415, o cuidado posto na preparação da empresa que se iniciou cerca de seis anos antes e, sobretudo, a qualidade das pessoas que tomaram parte na expedição, entre as quais figuravam o Rei, os três filhos mais velhos e grande número dos principais fidalgos, são dados que certificam o êxito antevisto para um projecto de largo alcance nacional. A indecisão quanto ao destino final a atingir, o segredo que foi possível manter e o debate em Ceuta sobre o abandono ou permanência na cidade espelham, por formas diferentes, as dificuldades em admitir um objectivo de contorno preciso para o empreendimento, seja ele tingido pelo ideário medieval de cavalaria, da busca de cereais ou ouro, resultado dos interesses de um grupo social, como a nobreza ou a burguesia, ou simples cruzada contra o infiel.
A fronteira portuguesa estava já bem definida naquela época e a possibilidade de fazer a guerra entre Estados Cristãos era limitada. As potencialidades da colonização das ilhas atlânticas e dos territórios africanos a sul do Bojador eram ainda quase desconhecidas. As iniciativas que visassem a expansão do poder da monarquia portuguesa tinham de limitar-se ao ataque às terras dominadas pelos Muçulmanos: os reinos de Granada e de Fez, este último designado, frequentemente, por Berberia.
A guerra com Granada apresentava uma dificuldade maior. O direito de conquista dos lugares submetidos aos Mouros exercia-se no sentido dos meridianos e, por isso, aquele território era reservado aos reis de Castela por se encontrar na sua fronteira meridional. Além disso, o desaparecimento do reino de Granada aumentaria a força de Castela, já então potência hegemónica no solo ibérico. A opção pela África do Norte impunha-se, portanto, aos desígnios expansionistas portugueses. Ceuta, chave do estreito de Gibraltar, apresentava-se como lugar de eleição pela facilidade do ancoradouro e de defesa que oferecia a situação da cidade no istmo que ligava o morro de Almina ao continente africano. Desde o século XIII, as potências cristãs da Península haviam previsto a reconquista da África do Norte. Apesar da indefinição dos limites, Ceuta tinha sido, na linha oriental do Magrebe, o último lugar aberto à iniciativa portuguesa aceitável pelo ‘direito de conquista’ dos restantes países ibéricos, nomeadamente Castela. Ao ocupar Ceuta, Portugal ia tão longe quanto possível na reserva de espaços ao seu ulterior projecto expansionista. Finalmente, a posse de Ceuta privava o reino de Granada do seu melhor porto de ligação com a Berberia; era, pois, trunfo de grande valor a ser exibido perante Castela e aos atentos dos restantes reinos cristãos e do papa.
A intervenção de João Afonso, vedor da Fazenda, ao sugerir Ceuta como alvo da ambição expansionista portuguesa, ilustra a importância que alguns ministros assumiam na alvorada dos tempos modernos. O seu esforço em contribuir para um melhor conhecimento da localização de Ceuta, em particular a situação do porto e o sistema de defesa, insere-se na definição de uma estratégia por parte dos homens de Estado, preocupados com o planeamento racional da acção política e militar, com a gestão dos recursos e com os resultados económicos das opções preferidas. A conquista de Ceuta, em 1415, era uma empresa de grande vulto para os parcos recursos de que Portugal então dispunha. O segredo de que se rodeou a expedição e a força política do rei e do seu Conselho restrito permitem considerar João Afonso como um lídimo representante ao Estado dirigido por João I». In António Dias Farinha, Os Portugueses em Marrocos, Instituto Camões, Colecção Lazúli, IAG, Artes Gráficas, ISBN 972-566-206-7.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT