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Para Eduardo Lourenço e Helder Macedo
«Os
contornos de todo este movimento de repensar Portugal no pós-25 de Abril, são
diferentes, mas de alguma forma encontrávamo-nos de novo e ainda, sob as
coordenadas da discussão sobre Portugal que tinha dominado o final do século
XIX, entre aquilo que teria sido um projecto europeu de desenvolvimento do país
aproximando-o de uma Europa central, protagonizado pelos homens da Geração de
70, e o que viria a ser o projecto imperial português do terceiro império,
agora em ruínas, mas ainda capaz de despertar imediatas e nostálgicas visões,
desde as mais revivalistas, que apocalipticamente apontavam o fim de Portugal
sem império, aos neo-lusotropicalismos de uma esquerda saudosa de um vago
Atlântico Sul, que na sua busca de formas de sociedade mais justas, se
encantava com o socialismo e procurava uma maior solidariedade com os povos do
Terceiro Mundo, assim se afastando do modelo democrático capitalista proposto
pela Europa do Mercado Comum ou pelo imperialismo americano.
Seria de
facto tudo isto um regresso? A Portugal, ao Império, à Europa? Seriam algumas
destas propostas um regressar ao império sem, no fundo, nunca de lá ter saído?
Voltaríamos assim a sublimar a nossa vivência de periferia, imaginando o
centro, através, já não do império, mas da saudade dele? Para quando então o
assumir das nossas elites de formação europeia, da nossa cultura de coordenadas
europeias, e já não mascarada de uma cultura pluricontinental e plurirracial
que Portugal não era, embora a sua matriz cultural nisso se tenha transformado
no Brasil, e provavelmente o venha a ser também em algum dos países africanos
de língua portuguesa? Ou seria mais uma vez a afirmação da relação entre
Portugal e os países tropicais, agora como o modo “especial” de Portugal ser
europeu, que aqui se reafirmava? Seria esta agora a forma de, à Garrett, partir
de novo rumo a uma “nova viagem para esse outro desconhecido que somos nós
mesmos e Portugal connosco”?
No século
XIX, a geração de Garrett e Herculano foi a primeira a lidar com a passagem de
uma imagem de um “Portugal mãe-pátria” a um Portugal “irmão do Brasil”,
parentescos familiares que, então e por muitos anos, se usariam para definir
relações de natureza colonial e pós-colonial e com os quais, no caso vertente,
se suavizava a dimensão de ruptura que acusava a vulnerabilidade do Portugal do
século XIX. A recuperação romântica da imagem e do discurso camonianos, até então
apenas usados para a pátria se rever numa história gloriosa, mas que pareciam
ter sido esquecidos para se imaginar como futuro, encontrou eco nos vários
sectores intelectuais e políticos, sendo porventura o mais óbvio sinal de uma
nação à procura de si mesma, cuja crise iria assumir a dimensão trágica da
ruptura nas páginas de Oliveira Martins e encontrar o seu espelho romanesco e
poético noutros escritores da Geração de 70. Após o 25 de Abril, e evitando as
fórmulas de parentesco familiar então fora de moda, Portugal passou de nação
“colonizadora por excelência a nação criadora de nações”, havendo neste parto,
já não definido como tal, o fundamento de redenção necessário à nossa jovem
democracia. Mas, diferentemente do século XIX, onde acabámos por ir exorcizar a
perda de um império noutro, onde afinal já estávamos há muitos séculos, mas,
como diria Fradique Mendes, “por esquecimento”, o movimento do 25 de Abril
trouxe, como imagem essencial, o fim de Portugal como nação imperial.
Na
literatura que assinala esta ruptura a partir da experiência da Guerra Colonial
em África, não estamos já em presença das descrições organicistas de
homens-espelho de uma pátria-cadáver, na forma como nos aparece em Oliveira
Martins ou na prosa de Eça, ao descrever a raça doente do Portugal esvaziado
entre a perda do Brasil, a incerteza da Europa e o projecto africano, nem nas
fragmentações pessoanas de desejos já pós-imperiais, mas antes dos cadáveres
reais, anunciados em toda a poesia que tematiza este tempo de asfixia e
apodrecimento. Por outras palavras, podemos dizer que as visões e fantasias
organicistas e apocalípticas do final do século XIX, que percorrem a literatura
e o pensamento crítico português do século XX, num longo epitáfio à nação
portuguesa imperial, assumem, nesta literatura, os rostos de fantasmas de fim,
expressos na englobante imagem do suicídio, físico ou espiritual, como imagem
de desidentificação pessoal que se transforma numa potente metáfora de um país
que deixa de ser, deixando as personagens num trânsito temporal e espacial, entre
África e Portugal, que, por sua vez reflecte o trânsito da própria identidade
portuguesa pós-colonial, em negociação entre as ruínas do império e a estrada
europeia que se ia abrindo». In Margarida Calafate Ribeiro, Uma Outra História de Regressos: Eduardo
Lourenço e a Cultura Portuguesa, Centro de Estudos Sociais, Universidade
de Coimbra, Cátedra Eduardo Lourenço, Universidade de Bolonha, Instituto Camões,
Dezembro de 2007.
Cortesia
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