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Prólogo
Escrita Desejo Política
«O Poder lê e manda ler para se informar. Mesmo quando lê mal e mal se
informa. Todos, de uma maneira ou de outra, sentem ou reflectem a pressão que
se abate sobre os ombros, mesmo quando se julgam Poder. A caneta oscila sob o peso
dos olhos que social e contraditoriamente nos espreitam e vigiam. Quando me rotulam
com outros de ‘predeterminado’, não me discutem, chamam-me nomes. Mas ao
colarem-me rótulos e nomes, estarão a pensar no que escrevi ou a reagir
‘determinados’ e até ‘predeterminados’ sob a pressão do olho do Poder?
Escrevo como quem fala mas sobe de novo a pulso pela palavra escrita.
Não na intenção de a moldar à moda ou à pressão de uma força ou interesse mas
no esforço permanente, para lá dos impulsos e dos ventos que me açoutam palavra
a palavra, de alcançar uma explicação duradoura e válida.
Tretas. O teu discurso é o discurso do desejo. Querias uma revolução
para hoje, para agora, e vais descobri-la, ‘inventá-la’ no passado.
Não me faltam desejos mas não é este o instrumento próprio para os vasar.
Quando reduzem trezentas páginas de texto fundamentado ao discurso do desejo, cercam
a obra por fora sem correrem o risco de se engasgarem a mastigar o seu miolo.
Houve ou não revoluções na História? Por que se fala, sem protestos, na
revolução de 1640 e até na ‘revolução’ do 28 de Maio e só 1383 terá de ser uma ‘crise
de alcova’, uma ‘crise dinástica’?
Se sou um homem de desejos e ainda por cima desejos de uma revolução
popular, por que diabo não me fiquei no texto por uma ‘revolta dos mesteirais’?
Não. Insisto que 1383 constituiu uma revolução burguesa, isto é,
desencadeada, dirigida e aproveitada no essencial pela burguesia das cidades e
vilas de Portugal.
Mas sabem porque é que eu insisto? Segundo um articulista, não é porque
os factos o demonstrem. É pela ‘curiosa teoria leninista da vara curvada: uma vara
está curvada no mau sentido. Para a endireitar é necessário curvá-la primeiro
no sentido oposto’.
E eis que este vosso amigo, munido da ‘lógica do sedutor’ e da ‘vara’
dos feitiços, encurva os factos na direcção da revolução burguesa para levar água
ao moinho da revolução proletária. Aqui está uma mágica bem feita, não por
mérito próprio mas da vara. O que se pretende com estes tiros de pólvora seca?
Quando escrevo, volto as palavras de uma banda e da outra banda, mudo-as
de lugar, corto, estendo, procurando que transmitam razoavelmente (de razão) o
que à mente aflora. E se muitas vezes as palavras queimam, é porque aqueceram
ao rubro ao saltarem para fora derrubando barreiras do estabelecido.
Ainda no plano das intenções (de boas e más está o inferno cheio),
descobrem-me objectivos (fins, interesses) políticos imediatos. ‘Os objectivos
políticos imediatos das escolas interpretativas dos conflitos sociais no nosso
país paralisaram a investigação objectiva, impediram de averiguar o que
efectivamente se passou, descoberto por comparação com as hipóteses
interpretativas do materialismo dialéctico ou com as do idealismo político’.
António Sérgio, Jaime Cortesão e os ‘marxistas’ escreveram, no
essencial, inspirados por ‘objectivos políticos imediatos’? Se considerarmos
que o esclarecimento da história do povo português e a participação na sua ‘educação
cívica’, como pretendia António Sérgio, envolve, como tudo, a política,
poder-se-á afirmar mesmo assim que os objectivos dos homens do ‘idealismo
político’, e dos homens ditos do ‘materialismo dialéctico’ se reduzem a ‘objectivos
políticos imediatos’? Não haverá uma tentativa, mesmo limitada e fruste, de
alcançar (o milagre não é negado a todos) a verdade histórica, verdade sempre
provisória, mas que pode ficar também cada vez mais próxima?». In António
Borges Coelho, A Revolução de 1383, Editorial Caminho, Colecção Universitária,
1984.
Continua
Cortesia da Caminho/JDACT