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«Dante, perdido numa selva escura, erra nela toda a noite. Saindo ao
amanhecer, começa a subir por uma colina, quando lhe atravessam a passagem uma
pantera, um leão e uma loba, que o repelem para a selva. Aparece-lhe então a
imagem de Virgílio, que o reanima e se oferece a tirá-lo de lá, fazendo-o
passar pelo Inferno e pelo Purgatório. Beatriz, depois, o guiará ao Paraíso.
Dante o segue.
Inferno.
Canto I
- Oh! Virgílio, tu és aquela
fonte
donde em rio caudal brota a eloquência?
Falei, curvando vergonhoso a fronte.
Ó dos poetas lustre, honra, eminência!
Valham-se o longo estudo, o amor profundo
com que em teu livro procurei ciência!
És meu mestre, o modelo sem segundo;
unicamente és tu que hás-me ensinado;
o belo estilo que honra-me no mundo.
A fera vês que o passo me há vedado;
sábio famoso, acude ao perseguido!
Tremo no pulso e veias, transtornado!
Respondeu, do meu pranto condoído;
te convém outra rota de ora avante
para o lugar selvagem ser vencido.
A fera, que te faz bradar tremante,
aqui passar não deixa impunemente;
tanto se opõe, que mata o caminhante.
[…]
Será da humilde Itália amparo forte,
por quem Camila a virgem dera a vida,
turno Eurialo, Niso acharam morte.
Por ele, em toda a parte, repelida
irá lançar-se no infernal assento,
donde foi pela Inveja conduzida.
Agora, por teu prol, eu tenho o intento
de levar-te comigo; ir-te-ei guiando
pela estância do eterno sofrimento,
onde, estridentes gritos escutando,
verás almas antigas em tortura
segunda morte a brados suplicando.
Outros ledos verás, que, em prova dura
das chamas, inda esperam ter o gozo
de Deus no prémio da imortal ventura.
Se lá subir quiseres, um ditoso
espírito, melhor te será guia,
quando eu deixar-te, ao reino glorioso.
Do céu o Imperador, a rebeldia
minha à lei castigando, não consente
que eu da cidade sua haja a alegria.
Em toda parte impera onipotente,
mas tem no Empíreo sua augusta sede:
feliz, por ele, o eleito à glória ingente!
Por esse Deus, que nunca hás conhecido,
porque este e maior mal de mim se arrede.
Que, até onde disseste conduzido,
à porta de São Pedro eu vá contigo
e veja os maus que houvesse referido.
Move-se o Vate então, após o sigo.
Canto II
Depois da invocação às Musas, Dante, considerando a sua fraqueza,
duvida de aventurar-se na viagem. Dizendo-lhe, porém, Virgílio, que era Beatriz
quem o mandava, e que havia quem se interessava pela sua salvação, determina-se
segui-lo e entra com o seu guia no difícil caminho».
In Dante Alighieri, A Divina Comédia, Atena Editora, 1955, Tradução de
José Pedro Xavier Pinheiro (1812-1882), Digitalização de eBooks por
Helder Rocha, 2003.
Continua
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