terça-feira, 26 de junho de 2012

Joana, “a Louca”. Rainha Joana I de Espanha. «Joana soluçou com o rosto coberto pela capa, mas algumas lágrimas escorreram até à mão enluvada do pai, poisando como diamantes entre os dedos cobertos de jóias. Dirigiu-se depois à mula, sendo ajudada a sentar-se na sela por figuras indistintas, enevoadas pelas lágrimas»



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«O vivo sol matinal entrou furtivamente no pátio sem oferecer qualquer ponta de calor, e tanto os viajantes como os amigos congratularam-se pelas suas capas àquela hora madrugadora. Tinham-se reunido havia já algum tempo, pensando que a partida teria lugar cedo, mas Isabel e Fernando ainda não tinham aparecido.
Os cavalos e as mulas remexiam-se, impacientes por partirem, e os criados e soldados, cansados, apoiavam-se ora num, ora noutro pé, enquanto Joana sofria. Olhava fixamente as portas que permaneciam vazias e perguntou: - O que poderá estar a demorá-los, Zayda? Tanto tempo! Quero que isto acabe rapidamente.
Joana estava desesperada pelo início da viagem, uma vez que era obviamente inevitável. Mexia com dedos nervosos no chapéu de viagem de veludo vermelho, puxando pela enorme aba e fazendo e desfazendo os laços. Aconchegou o manto vermelho ao corpo, mas como isso não a aqueceu, abraçou-se na esperança de sentir algum conforto.
As gargalhadas das irmãs mais novas fizeram-na erguer o olhar. Aborrecidas pela falta de acção, haviam decidido praticar passos de dança, acabando tudo numa grande trapalhada, o que causara o riso.
Joana invejava-as, ciumenta da sua alegria despreocupada. Centrou rapidamente a atenção no irmão, que falava com um ar muito sério com a irmã Isabel. ‘Bruto’, sentado a seus pés, inclinara a cabeça, escutando atentamente todas as suas palavras e olhando para João, enquanto raspava o chão com as patas da frente, como se se sentisse impaciente por tomar parte na conversa.
- Querido 'Bruto' - chamou-o Joana. - Meu lindo cão. Talvez não sejas muito bonito, mas és muito inteligente. Vou ter saudades tuas e das tuas habilidades.
João e Isabel vieram ao seu encontro, seguidos por 'Bruto'.
[…]

Ela olhou para ele com tristeza. Parecia que ninguém compreendia a intensidade do seu sofrimento por deixar a família, por não ter a seu lado um único amigo. Supunha que as damas de companhia eram aceitáveis, mas só as admitira com grande relutância; e, quanto aos padres, não eram do tipo de animar o espírito. Não conseguia invocar uma única história de amor, nem uma imagem de uma união alegre com o seu belo príncipe que a livrasse da sua desolação. Fungando baixinho, murmurou qualquer coisa sobre concordar com ele racionalmente, estando, porém, o seu cotação demasiado ferido e destroçado para o aceitar.
- Que Deus vos abençoe. - Segurando-lhe o rosto entre as mãos, João passou-lhe os dedos pelas lágrimas que lhe cobriam as faces e beijou-a na testa. - Desejo-vos uma viagem segura e rápida. Quanto mais cedo chegardes à Flandres, mais depressa a frota regressa com a minha Margarida. Perdoai-me o egoísmo. - Riu-se, abraçando-a ternamente. Ela devolveu-lhe os beijos e os abraços, agarrando-se a ele. Foi a última vez que se abraçaram.

Uma pancada seca da vara do camareiro deteve-lhe o pranto. O rei Fernando e a rainha Isabel atravessavam o pátio, dirigindo-se para Joana. Fernando abraçou-a.
 - Desejamos-vos o melhor, querida filha. Nunca vos podeis esquecer de que o vosso dever enquanto esposa e confidente de Filipe será de extrema importância para os vossos pais e para a Espanha. Confiamos em como vos mantereis leal no apoio ao vosso país e esperamos que aproveiteis todas as oportunidades para favorecer as suas causas. Que nunca se diga que haveis sido negligente. E foi tudo. Não houve mais nada. Onde estavam as palavras de calor e afeição do pai que adorava?
Joana lamuriou-se:
 - Continua a ser-vos impossível vir ao porto de Laredo?
- Joana, sabeis que não posso. Tenho de estar com as minhas tropas, a minha presença é imperativa e não posso desviar-me do meu dever. O dever para com o nosso país tem de vir sempre em primeiro lugar. Já devia ter partido, mas roubei uns dias para me despedir de vós.
Joana soluçou com o rosto coberto pela capa, mas algumas lágrimas escorreram até à mão enluvada do pai, poisando como diamantes entre os dedos cobertos de jóias. Dirigiu-se depois à mula, sendo ajudada a sentar-se na sela por figuras indistintas, enevoadas pelas lágrimas. Instalou-se, meia curvada, a infelicidade oculta pelo chapéu de abas largas, desejando que a mãe desse o sinal de partida. Ouviu-se um ruído desordenado de ferraduras que escorregavam sobre o empedrado e os cavalos e mulas partiram, adquirindo rapidamente um ritmo regular, levando os cavaleiros para longe do castelo, arrancando Joana ao seio da família.
- Dir-vos-ei adeus da galeria, bradou João por cima do clamor dos cascos ruidosos. Passaram pelo meio das duas enormes torres que guardavam a Porta Herreros, deixando Almazán para trás, em direcção ao desfiladeiro que os esperava.
De cabeça baixa, Joana mordeu o lábio, sem olhar quer para a direita, quer para a esquerda, pensando apenas no seu sofrimento. Magoava-a que, para os pais, não passasse de um peão do seu jogo de xadrez político. Como poderia alguma vez recuperar do golpe que fora aquela despedida?». In Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.

Cortesia de E. Presença/JDACT