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Resumo
A presente dissertação
estuda a acção do tribunal inquisitorial de Lisboa na Vila de Setúbal entre os
anos de 1536 e 1650. Estabelece, em primeiro lugar, os contextos mental,
temporal e geográfico que enquadram os factos estudados, bem como a conjuntura
religiosa, política e social que constitui o seu pano de fundo. Com base nos
processos inquisitoriais abertos aos moradores de Setúbal durante este período,
e na Visitação do Santo Ofício à Vila em 1618, procura-se descrever em que
moldes se efectiva a presença do Tribunal da Inquisição de Lisboa na Vila Setubalense.
A máquina inquisitorial, os indivíduos processados em si, são alvo de profunda
análise, bem como as estratégias utilizadas pelo tribunal do Santo Ofício de
Lisboa nesta fracção do seu distrito inquisitorial.
O tema
«A Inquisição (maldita) constitui
um marco incontornável no estudo da História de Portugal: pela importância que
assume como instituição religiosa, pela proeminência social e política de
muitos dos seus inquisidores, pelo impacto que provocou na população portuguesa
ao perseguir todo o tipo de desvios de comportamento e heresias, com particular
destaque para a do judaísmo.
Tendo actuado em todo o
território continental, nas ilhas da Madeira e dos Açores, no Brasil e na
Índia, tendo-o feito durante um período de praticamente três séculos, o estudo
ideal seria o que abarcasse a Inquisição (maldita) no seu conjunto e no período
cronológico da sua existência, apontando continuidades e mudanças temporais,
constantes e diferenças geográficas, quer nos seus objectivos e métodos, quer
no seu modo de funcionamento e nos seus resultados.
Citando alguns títulos,
e deixando de lado as obras clássicas e mais antigas de Alexandre Herculano e
de José Lúcio de Azevedo, a primeira, aliás, inacabada, que constituem
abordagens amplas, mas muito marcadas pelo tempo em que foram produzidas e a
que terá faltado a informação empírica necessária. O acesso mais recente a um
acervo documental incomparavelmente superior, aliado à formulação de novos
problemas, alterou, entretanto, o panorama historiográfico português.
Por um lado,
multiplicaram-se os estudos a que poderíamos chamar «regionais», incidindo
sobre alguns dos principais tribunais do Santo Ofício, Évora, Coimbra, Porto,
etc., cobrindo períodos de tempo mais ou menos longos, de que são exemplo os
trabalhos de Joaquim Romero de Magalhães sobre o Algarve (1981); de António
Borges Coelho sobre a Inquisição de Évora (1987); de José Veiga Torres e de
Elvira Mea, ambos sobre a Inquisição (maldita) de Coimbra, o primeiro com um
artigo vindo a público em 1986, e a segunda com a sua tese de doutoramento apresentada
em 19894. Por outro, vêm a lume estudos sobre a actuação e funcionamento de determinado
tribunal em zonas mais limitadas da sua jurisdição ou sobre determinados
acontecimentos ou iniciativas político-institucionais que cada um deles levou a
cabo localmente. Para dar apenas dois exemplos, citemos o estudo de Ana Cannas
da Cunha sobre a Inquisição (maldita) no Estado da Índia e o de Drumond Braga sobre
a Inquisição (maldita) nos Açores. Mas também poderíamos citar os estudos
relativos às Visitas às Naus estrangeiras e às múltiplas «Visitações» de
distrito, ou ainda a problemas mais directamente ligados ao comportamento das
vítimas.
Por fim, retoma-se a
preocupação dos estudos amplos e globais, de que é exemplo a obra de Francisco
Bettencourt a História das Inquisições, em que o autor, adoptando uma
perspectiva comparada, analisa em simultâneo as inquisições portuguesa,
espanhola e italiana. O trabalho que aqui nos ocupa tem ambições bem mais
limitadas e modestas. Ele faz parte das investigações que, incidindo sobre um
determinado tribunal da Inquisição (maldita), elegem como objecto de estudo a
actividade e funcionamento daquele mesmo tribunal em pequenas parcelas do seu
território e jurisdição. Mais do que uma investigação de tipo «regional», seria
«local». Assim e no caso presente, trata-se de estudar a acção do Tribunal
Inquisitorial de Lisboa na vila de Setúbal, Azeitão e Palmela, no período de
que vai de 1536 a 1650.
A escolha de Setúbal
deve-se sobretudo ao facto de ser uma área virgem no que toca ao Santo Ofício
de Lisboa e, de forma secundária, ao facto de ser uma vila em franco
crescimento na conjuntura nacional e europeia dos séculos XVI e XVII. Este
estudo abarca, como vimos, o período de pouco mais de um século (1536-1650),
período relativamente exequível para o tempo de que um mestrando dispõe para a
elaboração da sua tese.
A escolha da data
inicial, 1536, justifica-se por si, uma vez que ela corresponde ao ano da
instalação do Santo Ofício em Portugal. A escolha de 1650, data final do
estudo, já é mais discutível. Digamos que se tratou de um subterfúgio, forma de
fugir a 1640, ano de forte carga política e de pertinência duvidosa em termos
da inquisição portuguesa». In Raquel
Patriarca, Um Estudo sobre a Inquisição de Lisboa. O Santo Ofício na Vila de Setúbal,
1536-1650 Dissertação de Mestrado em História Moderna, Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Porto, 2002.
Cortesia da U. do
Porto/JDACT