quinta-feira, 14 de junho de 2012

Um Estudo sobre a Inquisição de Lisboa. O Santo Ofício na Vila de Setúbal, 1536-1650. Raquel Patriarca. «… cobrindo períodos de tempo mais ou menos longos, de que são exemplo os trabalhos de Joaquim Romero de Magalhães sobre o Algarve (1981); de António Borges Coelho sobre a Inquisição de Évora (1987); de José Veiga Torres e de Elvira Mea, ambos sobre a Inquisição (maldita) de Coimbra»



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Resumo
A presente dissertação estuda a acção do tribunal inquisitorial de Lisboa na Vila de Setúbal entre os anos de 1536 e 1650. Estabelece, em primeiro lugar, os contextos mental, temporal e geográfico que enquadram os factos estudados, bem como a conjuntura religiosa, política e social que constitui o seu pano de fundo. Com base nos processos inquisitoriais abertos aos moradores de Setúbal durante este período, e na Visitação do Santo Ofício à Vila em 1618, procura-se descrever em que moldes se efectiva a presença do Tribunal da Inquisição de Lisboa na Vila Setubalense. A máquina inquisitorial, os indivíduos processados em si, são alvo de profunda análise, bem como as estratégias utilizadas pelo tribunal do Santo Ofício de Lisboa nesta fracção do seu distrito inquisitorial.

O tema
«A Inquisição (maldita) constitui um marco incontornável no estudo da História de Portugal: pela importância que assume como instituição religiosa, pela proeminência social e política de muitos dos seus inquisidores, pelo impacto que provocou na população portuguesa ao perseguir todo o tipo de desvios de comportamento e heresias, com particular destaque para a do judaísmo.
Tendo actuado em todo o território continental, nas ilhas da Madeira e dos Açores, no Brasil e na Índia, tendo-o feito durante um período de praticamente três séculos, o estudo ideal seria o que abarcasse a Inquisição (maldita) no seu conjunto e no período cronológico da sua existência, apontando continuidades e mudanças temporais, constantes e diferenças geográficas, quer nos seus objectivos e métodos, quer no seu modo de funcionamento e nos seus resultados.
Citando alguns títulos, e deixando de lado as obras clássicas e mais antigas de Alexandre Herculano e de José Lúcio de Azevedo, a primeira, aliás, inacabada, que constituem abordagens amplas, mas muito marcadas pelo tempo em que foram produzidas e a que terá faltado a informação empírica necessária. O acesso mais recente a um acervo documental incomparavelmente superior, aliado à formulação de novos problemas, alterou, entretanto, o panorama historiográfico português.
Por um lado, multiplicaram-se os estudos a que poderíamos chamar «regionais», incidindo sobre alguns dos principais tribunais do Santo Ofício, Évora, Coimbra, Porto, etc., cobrindo períodos de tempo mais ou menos longos, de que são exemplo os trabalhos de Joaquim Romero de Magalhães sobre o Algarve (1981); de António Borges Coelho sobre a Inquisição de Évora (1987); de José Veiga Torres e de Elvira Mea, ambos sobre a Inquisição (maldita) de Coimbra, o primeiro com um artigo vindo a público em 1986, e a segunda com a sua tese de doutoramento apresentada em 19894. Por outro, vêm a lume estudos sobre a actuação e funcionamento de determinado tribunal em zonas mais limitadas da sua jurisdição ou sobre determinados acontecimentos ou iniciativas político-institucionais que cada um deles levou a cabo localmente. Para dar apenas dois exemplos, citemos o estudo de Ana Cannas da Cunha sobre a Inquisição (maldita) no Estado da Índia e o de Drumond Braga sobre a Inquisição (maldita) nos Açores. Mas também poderíamos citar os estudos relativos às Visitas às Naus estrangeiras e às múltiplas «Visitações» de distrito, ou ainda a problemas mais directamente ligados ao comportamento das vítimas.
Por fim, retoma-se a preocupação dos estudos amplos e globais, de que é exemplo a obra de Francisco Bettencourt a História das Inquisições, em que o autor, adoptando uma perspectiva comparada, analisa em simultâneo as inquisições portuguesa, espanhola e italiana. O trabalho que aqui nos ocupa tem ambições bem mais limitadas e modestas. Ele faz parte das investigações que, incidindo sobre um determinado tribunal da Inquisição (maldita), elegem como objecto de estudo a actividade e funcionamento daquele mesmo tribunal em pequenas parcelas do seu território e jurisdição. Mais do que uma investigação de tipo «regional», seria «local». Assim e no caso presente, trata-se de estudar a acção do Tribunal Inquisitorial de Lisboa na vila de Setúbal, Azeitão e Palmela, no período de que vai de 1536 a 1650.
A escolha de Setúbal deve-se sobretudo ao facto de ser uma área virgem no que toca ao Santo Ofício de Lisboa e, de forma secundária, ao facto de ser uma vila em franco crescimento na conjuntura nacional e europeia dos séculos XVI e XVII. Este estudo abarca, como vimos, o período de pouco mais de um século (1536-1650), período relativamente exequível para o tempo de que um mestrando dispõe para a elaboração da sua tese.
A escolha da data inicial, 1536, justifica-se por si, uma vez que ela corresponde ao ano da instalação do Santo Ofício em Portugal. A escolha de 1650, data final do estudo, já é mais discutível. Digamos que se tratou de um subterfúgio, forma de fugir a 1640, ano de forte carga política e de pertinência duvidosa em termos da inquisição portuguesa». In Raquel Patriarca, Um Estudo sobre a Inquisição de Lisboa. O Santo Ofício na Vila de Setúbal, 1536-1650 Dissertação de Mestrado em História Moderna, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2002.

Cortesia da U. do Porto/JDACT