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Resumo
Esta pesquisa teve por
objectivo analisar a acção de nobres portugueses que migraram para o noroeste
africano durante o século XV, ficando em constante conflito militar e
ideológico com os muçulmanos que ali habitavam. O estudo procurou se inserir no
debate sobre os móveis do expansionismo ultramarino português, através da
correlacção de fortalecimento da autonomia régia na Península Ibérica e do
interesse de nobres ascenderem social e políticamente com a permanência em
região de fronteira. Seguiu-se como ordenamento teórico as concepções de
Cultura e Poder, entendidas como apropriadas para a interpretação da
documentação, especialmente no que se refere à significação cultural de estratégias
políticas. Com a análise da documentação cronista, classificada como historiográfica,
o estudo procurou compreender as motivações políticas para a composição, uma
vez que ela foi escrita com a diferença no relatado de quatro décadas. Foi
realizada análise da forma como o cronista elaborou sua redacção, assim como os
objectivos projectados com tal texto. Localizaram-se os principais argumentos
retóricos que conferiram ao texto a identificação no género historiográfico,
como o estilo plano, a sequência cronológica e prováveis origens de seus dados.
Acredita-se que o texto tenha sido bem recebido, por atender as principais
expecptativas daquele estilo textual, qual seja, a ideia de preservação da memória
de feitos ilustres. Posteriormente, a pesquisa analisou alguns casos descritos,
buscando com isso compreender o significado esperado ao público destinado. Do
conjunto de descrições observadas, notou-se a existência de vários grupos e
interesses, sendo de conformações heterogéneas. Teve-se a prioridade de analisar
os casos em que a evocação de qualificativos positivos por parte dos cristãos
não fosse tão evidente, para caracterizar o significado do dissonante em
contraste. Chegou-se à conclusão de que tais casos expressam o confronto entre expecptativas
e aspirações dessincronizadas, mas se sobrepondo aquelas de virtudes e gestos
congruentes com os projectos de permanência na localidade africana. Desta
forma, uma estratigrafia social foi identificada, através da percepção do que
cada grupo via de si e dos demais, configurando um mosaico de interesses. Foi
entendida a hierarquia da sociedade política observada, que se definia pela conjunção
de práticas, serviço, sangue, virtudes e ordem. Desta forma, a pesquisa aqui
apresentada visa contemplar o aspecto personalista das relações políticas no período
tardo-medieval, procurando analisar as acções nobiliárquicas imersas em argumentos ideológicos de defesa da fé cristã e da cavalaria.
«Esta pesquisa histórica
tem por objecto de análise a escrita de acontecimentos sobre portugueses que
tiveram em comum a permanência e interesse na localidade de Ceuta, no noroeste
africano, durante o século XV. Pode afirmar-se que este é o ponto inicial que
se insere num campo de investigação mais amplo, que certamente ultrapassa esta
região, inclui outros interesses, mas como parâmetro toma-se este universo de
pessoas. O tema desta dissertação é uma continuação e ampliação de pesquisas já
concluídas, que buscaram entender a formação da dinastia de Avis à luz da
relação régio-nobiliárquica. O transcurso daquelas evidenciou o papel da
monarquia como polo de atracção na aspiração sociopolítica do reino em questão,
e mesmo de orientação dos nobres que desejavam se aproximar do rei para receber
benefícios simbólicos e materiais, como igualmente no interesse do rei em ter
apoio nas suas escolhas e decisões. Os critérios definidores da nobreza,
sangue, património e serviço, encontravam-se hierarquizados sob a égide do
serviço, o que pode ter propiciado a ascensão social de pessoas outrora
desprivilegiadas, ou ainda, na renovação pessoal dos influentes e mais activos
próximos da esfera régia.
O primeiro contacto com
a documentação ocorreu a partir do interesse pelo estudo das “Grandes Navegações”. Notou-se a baliza
cronológica situando 1415 como o marco inicial de tal período, referindo-se à conquista
da cidade norte africana de Ceuta. A bibliografia consultada cita para este caso
o registro da “Crónica da Tomada de
Ceuta”, obra escrita por Gomes Eanes de Zurara. Este autor foi cronista
e guarda-mor da chancelaria régia portuguesa, e o ano de escrita situa-se entre
1449 e 1450, ou seja, cerca de 30 anos depois do ocorrido, a pedido do rei
Afonso V (1449-1481). Inicialmente, os dados e principalmente o contexto
externo de produção não foram suficientemente considerados, uma vez que se
valeu da documentação para seguir o entendimento do expansionismo ibérico, que
era o recorte inicial do estudo e da bibliografia consultada até então. Várias
interpretações sobre tal obra já foram produzidas, sendo ela objecto e
instrumento de aplicação de modelos teóricos entre a medievalidade da cavalaria
e o modernismo económico da burguesia. Por considerar tal período transacional.
Com acesso à referida
crónica, confirmou-se algumas das interpretações contidas na historiografia que
a aborda e, além disso, notou-se a importância que o autor deu para listas
contendo os principais apoios da empresa. Estes nomes chamaram a atenção pela
extensão e inserção, uma vez que a grande maioria deles aparece apenas nas tais
listas, sem descrições posteriores ou participação activa das acções no
conjunto da obra. Alguns se destacam sem, contudo, deixar que os protagonistas
sejam os infantes e o monarca João I (1385-1433). Chegou-se a identificar
algumas personagens na documentação, mas a análise extensa das trajectórias não
pode ser realizada devido à carência de outras fontes naquele estágio, bem como
o tempo disponível para a apresentação de resultados.
Notou-se, portanto, um
duplo elogio, tanto para as acções descritas como para o facto de registar em
texto o que se passou na localidade. O autor subtilmente sinalizava a favor da
continuidade do descrito como maneira de manter seu ofício de cronista. Algumas
considerações sobre o contexto foram levantadas, principalmente sobre objectivos
nobiliárquicos de afirmação de identidade frente à disputa de grupos políticos
no conflito de Alfarrobeira (1449), mas sem conexão directa e evidente com relação
à fonte, isto é, não se encontrou dados concretos que permitissem afirmar o vínculo da crónica com
aquele evento.
A função de cronista no
reino português não foi iniciada por Zurara, e este foi influenciado e seguiu
uma longa tradição historiográfica ibérica. Lembre-se, da produção de Afonso X
de Castela (1252-1284) ou do conde Pedro de Barcelos em Portugal no século XIV.
O predecessor de Zurara, Fernão Lopes, teve um destaque na escrita de crónicas,
incentivado pelo monarca Duarte I (1434-1438) e por seus ideais culturais. O
reinado deste rei, assim, é caracterizado pelo incentivo à escrita de obras
sobre o comportamento nobiliárquico e de crónicas sobre os feitos régios da
dinastia borgonhesa e de avis. Desta maneira, construiu-se pelo relato a noção
de reino pela tradição, uma vez que as crónicas não são apenas biografias
régias, mas a participação dos reis conjuntamente com a sociedade política que
os circundavam, transpassando noções qualificativas de pertencimento e
autonomia com a colectividade do território régio; e principalmente, o passado recuperado
representava uma consolidação de hábitos e acções, em nível providencialista
aos membros da dinastia actuante na época de redacção, qual seja, a própria de Duarte
I.
A organização do Arquivo Régio, com as compilações e transcrições de documentos,
confirma a preocupação em dispor de dados para a condução dos assuntos régios,
como o início da organização na chancelaria, que posteriormente ficou conhecida
como “Leitura Nova”. As “Ordenações Afonsinas”,
igualmente, ilustram a preocupação compilatória e de actualização da legislação
e justiça. O cargo de guarda-mor da Torre do Tombo exercido por Zurara englobava
todas estas funções sendo, portanto, um conhecedor das informações para a
escrita de seus textos sob pedido do rei, como possivelmente de obras e escritos
sobre História. Ainda que não se tenham informações biográficas e de sua formação
intelectual, entende-se que fora instruído para exercer o cargo, com habilidades
características». In Daniel Augusto Arpelau Orta, ‘Tamtas Cousas Notaveis Pera
Escrever’. Relações de poder e perfis ideais na Crónica do conde Pedro de
Meneses de Gomes Eanes de Zurara (1385 - 1460), Universidade do Paramá, Programa
de Pós-Graduação em História, Biblioteca de Ciências Humanas e Educação, 2010.
Cortesia de U. do
Paraná/JDACT